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O primeiro ponto para ser exaltado é a ousadia de James Gray para adaptar Noites Brancas, de Fiodor Dostoievski, já que as obras do escritor russo são conhecidas por não serem facilmente digeridas. E não é só essa ousadia que deve ser exaltada, mas também a forma como Gray traz aquela narrativa para os dias atuais, já que a obra literária se passa na Rússia do século XIX.

Gray mostra, desde a primeira cena, que este não é um filme que vai falar exclusivamente de amor ou relacionamentos, mas também de rejeição, de pressão e do fato de todos nós procurarmos sempre o caminho mais acidentado para seguirmos em frente em nossas vidas, principalmente depois de traumas. É algo natural em nós, humanos, focarmos no mais difícil e ignorar o caminho mais fácil até que nenhuma alternativa reste no outro caminho.

Leonard (Joaquin Phoenix) foi abandonado pela noiva e volta a morar com os pais. Somos apresentados ao personagem em uma cena em que o mesmo tenta suicídio, o que sai malsucedido — e acabamos por entender que não é a primeira vez em que ele o tenta.

Ainda na sequência inicial, a câmera de Gray acompanha o personagem no corredor de casa, indo em direção ao seu quarto e rodeado de quadros de família. Seu tronco meio curvado, sua respiração ofegante e a pressa para chegar logo em seu refúgio, mostra o tamanho do peso que ele carrega. Ao conhecer a filmografia de Gray, fica claro que essa tortura significa uma pressão familiar gigantesca, quase como se fosse o peso do universo em suas costas.

Após entendermos o personagem, o mesmo conhece duas moças, pelas quais acaba tendo sentimentos distintos, o que o faz se sentir obrigado a não excluir nenhuma das duas de sua vida. Sandra (Vinessa Shaw) é filha de um amigo de negócios de seu pai e, ao vê-la interessada nele, em um respiro de confiança, ele vai aceitando novamente que outra mulher entre em sua vida. Mas, isso significa mais que apenas abrir as portas para um novo relacionamento em sua vida, tem também o peso familiar que o persegue, as responsabilidades com o negócio de seu pai e muito mais, que o faz não entrar totalmente de cabeça nisso tudo.

Michelle (Gwyneth Paltrow) é o oposto disso: a forma como os dois se conhecem é completamente inesperada, sem formalidades e, de certa forma, assustadora. A forma como os dois começam uma conversa é tão natural, que Leonard já se vê encantado, sentimos o personagem até mais leve com a presença da vizinha.

Leonard fica dividido entre a pressão que já não aguenta mais, mas com uma pessoa que claramente o deseja e uma liberdade ao tentar algo completamente novo com uma pessoa que o mostra uma saída para a liberdade.

O modo cru como ele desenvolve cada personagem, principalmente a relação de Leonard e Michelle, é extremamente efetiva; Gray praticamente nos coloca dentro da cabeça de Leonard, mesmo sem o mesmo dizer uma palavra intima para nós. É, de fato, uma construção com base nas atitudes do personagem e seus olhares: cada gesto corporal mostra o quanto esse trabalho na atuação de Phoenix é minuciosamente bem pensado junto ao diretor.

Quanto mais Leonard descobre sobre Michelle e se torna mais íntimo, mais seus sentimentos são intensificados, mesmo após descobrir que a mesma está em um relacionamento e que se torna inviável os dois desbravarem seus sentimentos juntos, a não ser que seja como amigos.

É interessante notar como a fotografia afeta no relacionamento do trio: quando Leonard está com Sandra, as cores são mais quentes, a iluminação mais amarelada; já quando ele está com Michelle, as luzes são menos intensas e a coloração mais fria. Sandra transmite aconchego e tranquilidade, mas dentro da zona de conforto; já Michelle tem que ser desbravada, ele tem que lutar para tê-la e sai totalmente de sua rotina.

Até a cena de sexo é um contraste, já que com Sandra, Leonard é mais carinhoso, ambos parecem seguir um regulamento, mesmo sendo bem natural. Com Michelle é algo mais selvagem, um sentimento de libertação entre os dois é evidente.

A tragédia anunciada desde a primeira cena vai se comprimindo até o seu final. O golpe poderoso e doloroso, jogando para o protagonista escolhas das quais ele teria que se martirizar para sempre. Talvez esse seja o final mais melancólico da filmografia de James Gray. Mas também é, o que reflete perfeitamente a sociedade atual, na qual sempre se acha o escape da solidão em relacionamentos complicados, deixando de lado um potencial de futuro mais tranquilo.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Nome Original: Two Lovers

Ano: 2008

Direção: James Gray

Roteiro: James Gray, Ric Menello

Elenco: Joaquin Phoenix, Vinessa Shaw, Gwyneth Paltrow, Bob Ari, Isabella Rossellini, Julie Budd

Fotografia: Joaquín Baca-Asay

Montagem: John Axelrad

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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