Horrorscópio | A Maldição

 

A Maldição do Cigano foi lançado por Stephen King, em 1984. Na época, o autor adotou o pseudônimo de Richard Bachman e o livro obteve êxito, principalmente na Itália. Durante anos, tanto King quanto inúmeros cineastas pensaram em adaptar o material literário para as telas. Somente dez anos depois, Tom Holland (conhecido pelos clássicos Brinquedo Assassino e A Hora do Espanto) decidiu revisar a obra para o cinema.

A Maldição exibe a trajetória do advogado bem-sucedido, interpretado por Robert John Burke: Billy Halleck tem o casamento perfeito, vive com sua esposa, Heidi (Lucinda Jenney, um tanto artificial em cena), e sua filha, Linda (Bethany Joy Lenz), em Fairview, Connecticut (área já retratada por King em diversos livros). A questão é que ele sofre de obesidade mórbida, algo que, embora atrapalhe sua condição e disposição física, não parece incomodá-lo socialmente. A grande virada na trama de “drama genérico” surge logo após os 15 minutos iniciais — o nosso protagonista atropela e mata uma velha cigana.

Como toda obra baseada em um texto de Stephen King, temos personagens que confrontam sua fé e a natureza, com toques macabros ou situações com insinuações sobrenaturais. Aqui, o fato sinistro transcorre em cima da transformação física — e também psicológica — que Billy vivencia. Embora liberado pela acusação de homicídio, livrando-se da “culpa moral”, é confinado na maldição que recebe de um poderoso feiticeiro da região, o temido Tadzu Lempke (feito por um assustador Michael Constantine). Billy ouve do homem que “irá emagrecer”, sem inicialmente compreender a mensagem, até quando passa a perder peso violentamente.

A narrativa explora, inicialmente, o contentamento do protagonista ao se livrar da condição de obeso; divertindo-se com a esposa e, inclusive, usufruindo do sexo matrimonial — já que sua aparência nova o deixa mais jovial, embora deixe Heidi preocupada. A relação intima parece encontrar desejo para um contato que parecia distante e frio; só que esse cenário ganha contornos de maior tensão quando Billy percebe que passa a emagrecer mais de três quilos diários — como reverter essa situação? As palavras do cigano ganham força e fecundam o maligno na vida deste indivíduo; algo tão notório nas obras de King, pois ele costuma colocar seus personagens em situação de desespero ou os desorganiza por algum efeito sobrenatural que os desatina.

“Foram os ciganos malditos, não? Eles tocaram a sua alma?”

Holland comanda bem a tensão gradual que se forma, quando o drama se converte em tons sombrios — a aparência de Billy se torna cadavérica e parece um espectro de um pesadelo angustiante. A atuação de John Burke é convincente e exibe a agonia que seu personagem vivencia ao ver-se em estado de piedade ao definhar. O advogado recebe a ajuda do mafioso Richie Ginelli (um Joe Mantegna super à vontade em cena), e é justamente na interação dos dois atores que o filme garante pontos positivos. Então, o roteiro revela pequenas surpresas e alguns personagens rendem leve reviravoltas no intuito de ter maior atenção do público.

A Maldição não é um dos melhores trabalhos adaptados de obras de Stephen King — para quem não leu o livro, talvez a imersão seja maior, bem como alguns sustos e envolvimento com o roteiro (feito por Michael McDowell em conjunto com o próprio Tom Holland). Há um terço final apressado demais e com soluções fáceis, justamente quando a trama ganha ares mais mórbidos — a personalidade de Billy, em meio ao seu estado de fragmentação, muda e seu comportamento passa a ser agressivo. O personagem parece movido pelo ódio por conta de sua condição, tendo um aspecto mais ameaçador; só que o filme perde a oportunidade e conclui de forma mais “redonda” possível um roteiro que podia ser mais sólido.

Embora com cara de made for TV, burocrático e sem maiores cuidados no desenvolvimento, a fita mantém a “aura mágica” do universo de horror de Stephen King. A maquiagem, por sinal, é muito bem delineada — as cenas de John Burke obeso são ótimas, a ponto de você levar um susto ao ver o progresso de Billy que definha rapidamente e se torna esquelético. E a trilha sonora instrumental tem toques melódicos que sustentam algumas cenas de tensão.

Uma curiosidade: o filme seria levado para o cinema bem antes, por volta de 1986, com produção de Dino de Laurentiis (que fez várias adaptações de King para o cinema na década de 1980), logo após a finalização de Comboio do Terror. A ideia era que Sam Raimi dirigisse o longa com os mesmos produtores e roteirista de A Morte do Demônio. Aí fica a pergunta: será que não teríamos uma obra mais interessante?

Nota: ★★★✰✰

 

 

Ficha Técnica

Nome Original: Thinner

Ano: 1996

Direção: Tom Holland

Roteiro: Tom Holland, Michael McDowell

Elenco: Robert John Burke, Karu Wührer, Bethany Joy Lenz, Joe Mantegna

Fotografia: Kees Van Oostrum

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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