Sci-Fi | Interestelar

 

Dentro de sua filmografia, Christopher Nolan sempre buscou não se manter na zona de conforto, explorando gêneros diferentes, e com narrativas bem particulares. Aqui, Nolan nos entrega uma estrutura mais convencional, dividindo o longa em três atos bem definidos, quase como três capítulos de um livro.

O primeiro vai até o ponto onde Cooper (Matthew McConaughey) deixa sua família em busca de uma salvação no espaço; o segundo segue ao ponto onde Cooper e Brand (Anne Hathaway) tomam a decisão de irem até o horizonte do buraco negro para tentar chegar no objetivo final.

O que torna a obra tão curiosa é o fato do astrofísico Kip Thorne ter sido consultor do longa; trazendo, assim, uma pegada mais verossímil e menos fantasiosa. O foco de Nolan era fazer com que o filme fosse o mais fiel possível, tanto em teorias que são bastante abordadas na obra, como a da relatividade e no visual. Assim, temos uma das experiencias mais imersivas do gênero. O próprio buraco negro, nomeado como Gargantua, foi considerada na época como a melhor representação visual já feita.

Isso tudo, junto a efeitos práticos que o diretor faz questão de manter em sua obra, tornam a odisseia espacial de Nolan algo muito puro. Mesmo que a montagem da obra trabalhe com cortes temporais bem grandes, sentimos o peso dos anos passarem e a aflição de Cooper ao estar longe de seus filhos.

Esse sentimento só funciona com o público, pelo fato de a relação de Cooper e Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn) funcionar tão bem no primeiro ato. São dois personagens muito bem escritos, notamos isso principalmente quando estão juntos. A forma como os dois trocam diálogos bem maduros, mesmo que durante a primeira parte da obra Murph seja apenas uma criança, reforça o peso que Cooper tem em sua vida, e o quanto ela precisa de seu pai.

A cena em que Cooper está partindo em seu carro, em prantos, enquanto Murph grita por ele, tem uma carga emocional extremamente relevante —  algo que acaba refletindo em toda obra, pelo simples fato dos 40 primeiros minutos o roteiro dos Irmãos Nolan focar principalmente no relacionamento de pai e filha.

Ao passar do filme, mesmo com toda a preocupação científica por parte do diretor, Interstellar se mostra uma obra mais intimista do que um sci-fi hardcore. Toda a ciência é apenas um plano de fundo para uma história mais pessoal. Por isso, durante todo o primeiro ato, somos apresentados a todos os elementos que moldarão aquela história. Desenvolvendo as discussões sobre recursos de sobrevivência para nossa raça, a insignificância do ser humano ao mentir para conseguir prosperar e, de certa, forma o egoísmo. Tudo posto em pauta para ser discutido durante as quase três horas de duração do longa.

“É como se tivéssemos esquecido quem somos, Donald. Exploradores, pioneiros, não fazendeiros”

Além disso tudo, a obra fala sobre a força do amor que os seres humanos podem alimentar em cada relacionamento; o quanto aquilo pode-lhes guiar, mostrando que isso pode ser muito mais que um simples sentimento passageiro, mas algo relevante para ser cuidadosamente alimentado. Ao mesmo tempo que o filme mostra o lado mais egoísta do ser humano, ele também expõe o outro extremo: a compaixão e companheirismo. É bonito, pois se torna quase como uma redenção de Cooper, e de suas escolhas que o levaram para longe de quem mais o ama.

A música de Hans Zimmer é um dos elementos mais importantes de Interestelar. Concebe toda uma carga emocional, principalmente com um piano bem intenso em suas notas. A complexidade da música consegue trabalhar momentos bem distintos da obra. Quando o tom é mais misterioso, ou aventureiro, até mesmo esperançoso, Zimmer nos entrega um trabalho bem complexo e feito com o devido cuidado. Um grande exemplo é durante toda a sequência em que eles pousam no planeta coberto de água. Um tic tac de relógio começa fraquinho, mostrando que cada segundo que eles ficam ali é precioso, e vai se intensificando, enquanto uma onda gigante se aproxima do local onde eles pousaram. É um detalhe que faz toda a diferença para dar mais peso para toda aquela situação.

Nolan também não faz questão de explicar como funciona ou de onde vem a praga da qual a humanidade vem sendo devastada; duas linhas de palavras deixam claro que os dias da humanidade na terra estão contados e que eles têm que sair dali. Não se mostra necessário perder muito tempo com aquilo, já que não é essa a proposta da obra. Mesmo assim, conseguimos ter uma boa noção do que a humanidade se tornou, regredindo décadas e sendo extinta, aos poucos.

Logo na primeira cena, o filme deixa claro do que ele quer falar: a estante de livros, com pequenas miniaturas de naves cobertas de poeira, mostra que aquela história é algo muito particular — a importância de nossas escolhas, o quanto isso afeta nosso futuro, e durante toda a sequência final, deixa claro que Cooper não poderia voltar atrás e simplesmente deixar tudo que se passou para trás. Retomando exatamente do ponto em que parou e finalmente aceitando as consequências de suas escolhas.

Nota: ★★★★★

Ficha Técnica

Nome Original: Interstellar

Ano: 2014

Direção: Christopher Nolan

Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan

Elenco: Ellen Burstyn, Matthew McConaughey, Mackenzie Foy, Anne Hathaway, Jessica Chastain, John Lithgow, Timothée Chalamet, Bill Irwin, Josh Stewart, Casey Affleck

Fotografia: Hoyte Van Hoytema

Trilha Sonora: Hans Zimmer

Montagem: Lee Smith

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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