Descubra um Clássico | Os Desajustados (1961)
Os Desajustados é o tipo de filme que só dá certo quando as estrelas se alinham magicamente. Marilyn Monroe, Clark Gable e Montgomey Clift sintonizam seus desajustes artísticos e nas desventuras dos personagens que interpretam. Mas, foi também um longa marcado com uma maldição, “the curse”, como eles falam na gringa; no prazo de dois dias após as filmagens, Clark Gable sofreria um ataque cardíaco e morreria dentro de uma semana; Monroe morreria cerca de um ano depois, vítima de uma suposta overdose de drogas; Clift também morreria em 1966, igualmente pelo uso abusivo de substâncias. Roteirizado por Arthur Miller (o futuro ex de Monroe) e dirigido por John Huston, o longa tem algo que aprisiona com breves momentos intensos, mas que também usa artifícios desagradáveis como muleta para equilibrar a narrativa em seus altos e baixos.
O filme saiu no fim da era clássica de Hollywood (1961), e deixa isso bem claro. Os fotógrafos Eve Arnold, Bruce Davidson e Henri Cartier-Bresson, mostraram Eli Wallach, Monroe, Clift e Gable com um olhar absolutamente honesto que teria sido impensável no auge dos estúdios. Marilyn, que foi filmada por tanto tempo através das lentes glamurosas e robóticas, parece outra atriz, de tão diferente. Não há nada do brilho malicioso e quase pornográfico de suas fotos promocionais dos anos 1950.
Aqui, sua melancolia não é apenas um artificio passivo de seu estado mental e físico; é intencional e controlada pela atriz. As falas espaçadas, os trejeitos e os estranhos micros sorrisos são conscientemente trabalhados; ela se comporta dessa maneira apenas na frente dos homens que esperam que ela faça isso, mas depois relaxa quando está com a amiga Isabelle (Thelma Ritter).
É uma performance corajosa, porque, apesar das probabilidades, ela sobrevive. Infelizmente, apesar da brisa de liberdade artística, seu corpo ainda foi explorado de formas pejorativas com closes bizarros em seu traseiro, seguido de expressões ridículas de Gable com cara de bêbado; ou mesmo uma cena catastrófica em que a atriz, rodeada de homens patéticos, ganha um close no traseiro dançante e tapas maliciosos de um velho cowboy.
Falando da narrativa como um todo, as coisas não parecem fazer sentido algum. Parece desencaixado, desajustado, fazendo jus ao título, assim como a vida miserável de seus personagens. Há cenas aleatórias, close-ups bizarros e frames fora de foco, mas também há momentos que trazem brilho ao caos.
Um exemplo disso é a cena em que os atores perseguem cavalos selvagens. A cena é tão mal filmada que fariam diretores do bom e velho bang-bang se revirarem no túmulo. No entanto, por trás dessa miséria toda existe um flash de esperança: quando os homens, depois de todo seu trabalho duro e esforço, decidem atirar nos cavalos para vender a carne; de repente, Monroe surge e grita a plenos pulmões, clamando por misericórdia aos animais.
A câmera está muito distante, levando-nos a sentir a insignificância de Rosalyn e, ao contrário, a força de Monroe. É um momento raro onde personagem e atriz têm privacidade para si mesma — “Vocês [homens] só ficam felizes quando veem algo morrer. Por que você não se mata, e fica feliz?” —, clama Rosalyn/Monroe, no que parece estar falando com o público que assiste, com diretores e produtores, com o marido Arthur Miller e com seus três companheiros de cena. É, de fato, uma catarse que ultrapassa os limites da câmera. Seguindo os acontecimentos póstumos que sucederam o longa, o personagem Guido nos fornece uma reflexão interessante: estamos apenas seguindo o brilho de estrelas que já morreram há muito tempo, até que os próprios observadores caem mortos.
Nota: ★★★★
Ficha técnica
Nome Original: The Misfits
Ano: 1961
Direção: John Huston
Roteiro: Arthur Miller
Elenco: Marilyn Monroe, Clark Gable, Eli Wallach, Montgomery Clift, Thelma Ritter
Fotografia: Russell Metty