Descubra um Clássico | Era uma Vez em Tóquio (1953)

 

A vida não é fácil, desde que começamos a ter uma certa noção da própria existência que entendemos isso. Lidar com outras pessoas é complicado, mas nada vai ser tão duro quanto a nossa própria família. Não posso afirmar com certeza, mas Yasujirô Ozu e Kôgo Noda, provavelmente, tiveram uma reflexão referente a isso antes de escrever este filme. Obviamente que não de forma tão superficial assim.

Logo na sequência de abertura, Ozu foca em mostrar detalhes daquele vilarejo em que o casal de protagonistas vive, longe da poluição sonora da cidade grande, em sua pequena casa, interagindo com os vizinhos, mostrando empolgação por irem finalmente, depois de muito tempo, visitar os filhos na capital. O início desse filme tem muita importância para a conclusão da obra lá na frente; nada que Ozu coloca em cena é gratuito. Mesmo com uma narrativa mais lenta, ele não perde tempo mostrando o desnecessário, é tudo um grande quebra cabeça já formado, nós só estamos acompanhando a contagem das peças.

O grande segredo da obra está na sua simplicidade, pois nada de grandes momentos melodramáticos são mostrados aqui, é tudo muito tranquilo e de certa forma monótono, assim como a vida. Ozu entende perfeitamente como reproduzir a rotina humana, pegando a essência da convivência, com diálogos simples, sobre o que será o jantar, ou sobre o bairro em que os filhos moram; nada é forçado, é quase como se acompanhássemos o nosso dia-a-dia.

O fato de Ozu praticamente deixar a obra sem música, mostra o quanto o diretor sabia muito bem o que estava fazendo. As músicas que normalmente são usadas para imergir o público, ou engrandecer uma cena ou personagem, não é necessária aqui — todo o poder da obra está em seus diálogos, na sinceridade que os dois protagonistas tanto buscam extrair de seus filhos, onde só entregam a falta de afeto, o egoísmo, dentro de cada tentativa de se livrarem daquele incomodo.

Nós nos esquecemos que ao começar um novo dia, outro terminará, e isso é irreversível. Nem sempre lembramos de proferir palavras agradáveis para pessoas que amamos, deixamos de demonstrar nosso afeto no dia-a-dia, de certa forma achamos que sempre teremos um novo dia para suprir nossa ausência.

Assim como os filhos de Shukichi e Tomi, normalmente notamos o quanto a vida está nos tirando o que realmente importa, quando se é tarde demais. E, na maioria das vezes, acabamos por ignorar mesmo nas perdas, prevalecendo nosso egoísmo, nossas vidas sempre sendo algo maior do que as relações que tivemos desde o início de nossa existência.

O fato de Shukichi perguntar a Tomi se a vida é decepcionante, mesmo já estando em uma idade avançada, mostra o quanto demora para percebemos que a vida é um sopro, pois mesmo após décadas de ensinamentos, sempre nos decepcionamos com algo. O simbolismo do trem para toda a trama é a vida e como ela nos leva depressa, e o quanto notamos que podemos pegá-lo apenas quando se está quase tudo perdido.

O simbolismo de mostrar onde os protagonistas viviam de forma mais detalhada tem todo o seu peso no fim do filme, quando ao invés deles irem para uma longa jornada até a cidade grande para ver como seus filhos estão cheios de saúde, agora vemos os filhos fazerem o caminho ao contrário, apenas pelo motivo da vida estar cobrando seu preço.

Ozu nos ensina que nunca é tarde para tratarmos melhor as pessoas em nossa volta, nos mostra como a vida realmente é, e nos faz repensar sobre como podemos ignorar nossos laços e seguir pelo trilho do egoísmo, mesmo em meio a dor e a perda. Era Uma vez em Tóquio nos revela o começo e o fim de uma ilusão, a de que somos importantes e que nossa presença traz felicidade, infelizmente a vida não é algo que dura para o sempre como nos contos de fada.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Título Original: Tōkyō monogatari’

Direção: Yasujirō Ozu

Roteiro: Kōgo Noda e Yasujirō Ozu

Elenco: Chishû Ryû, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura, Sô Yamamura, Kuniko Miyake, Kyôko Kagawa, Eijirô Tôno, Nobuo Nakamura

Fotografia: Yûharu Atsuta

Trilha Sonora: Philippe Sarde

Montagem: Yoshiyasu Hamamura

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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