Miss in Scene | Os dois lados da moeda fashion
O Diabo Veste Prada nos coloca nos bastidores do mundo da moda, mostrando que nem tudo é glamour… nem futilidade.
Dizem que tudo nessa vida tem pelo menos dois lados, duas perspectivas possíveis de se ver. Com o mundo da moda não é diferente: em O Diabo Veste Prada temos alguns vislumbres do comportamento de quem está no alto escalão fashion e quem tenta entrar nos variados segmentos desse mercado. Como em toda esfera de negócios, há muitos homens ali, principalmente nas rédeas do dinheiro; porém, a moda ainda é vista como um universo muito feminino por estar ligada à beleza e perfeição — algo que há tempos é muito mais imposto às mulheres que aos homens —, e o impacto maior causado, tanto para o bem quanto para o mal, é justamente nelas.
A busca pelo que é belo existe desde o início da humanidade e a história, mais precisamente a segunda metade do último milênio, está cheia de ícones fashion, como Rainha Elizabeth I, Maria Antonieta, Coco Chanel… a lista é longa e as noções de estilo se modificam e se reciclam cada vez mais rapidamente. Basta ver a quantidade de publicações nas bancas sobre moda e beleza voltadas para o público feminino, algumas com décadas de existência, para constatar que existe uma grande demanda por esse tipo de conteúdo.
A fictícia revista Runway apresentada no filme é inspirada nas maiores publicações do mundo sobre o tema. É lá onde Andy Sachs (Anne Hathaway), recém graduada em jornalismo, vai trabalhar como assistente da temida Miranda Priestly (Meryl Streep). Mais que uma chefe megera, Miranda é uma workaholic que comanda sua revista com punhos de ferro e é a primeira a reparar em cada detalhe da aparência de qualquer pessoa e exigir que todos sejam impecáveis. Quando ela está no escritório, cada um dos seus funcionários parece ter saído de uma página da Runway, o que faz com que a simplicidade de Andy destoe do glamour de seus colegas.
Além do espiral de consumo, que inclui itens de luxo e alta costura, o filme vem cheio de diálogos que demonstram os padrões de beleza estabelecidos pela indústria, como quando Miranda e Nigel (Stanley Tucci) sugerem, em oportunidades diferentes, que Andy está acima do peso; ou quando Emily (Emily Blunt) conta de sua dieta pré-Semana de Moda de Paris, que consiste em jejum absoluto e um pedaço de queijo quando já está prestes a desmaiar. É claro que existem padrões bastante rígidos também para os homens do mundo da moda, mas, fora do universo fashion profissional, são as mulheres quem mais sofrem com as pressões por corpos de perfeição quase inalcançável (magreza associada à beleza) e cobranças para que o guarda-roupas acompanhe as tendências.
Por outro lado, é inegável que também há o caráter positivo da moda. Estilo está ligado à expressão pessoal, personalidade — como falado por Doug (uma pequena participação de Rich Sommer) — e traz um impacto direto na autoestima. Vemos isso ocorrer com Andy, que se torna mais confiante em seu trabalho ao perceber que seu novo visual passa mais credibilidade diante da sua maldosa chefe e impõe mais respeito de seus colegas. Claro que nada disso aconteceria sem sua dedicação pessoal e competência no trabalho que desempenha. Mas a moda funciona para Andy como uma energia que vem de fora para dentro: ela passa a se sentir tão poderosa quanto sua imagem aparenta no espelho. Isso resulta em mais autoconfiança.
Outro ponto a favor, como lembrado por Nigel, é que o mercado da moda emprega milhões de pessoas ao redor do mundo. E, como demonstrado por Miranda, não é uma mera futilidade: existe trabalho árduo, estudo, e diversas ciências por trás de um desfile, um editorial de revista ou uma coleção nas araras das lojas.
Aprender a lidar com as transformações da vida: é isso que faz com que O Diabo Veste Prada seja mais que a velha história do patinho feio que vira cisne. Andy aprende a lidar com sua vida profissional (ainda que sofra muito até aprender a lição) e com sua nova persona, mais confiante, madura e atenta, sem deixar com que o pior lado de tudo isso a absorva por completo e para sempre. Um lembrete para todas nós sobre se sentir bem por dentro e por fora.