Descubra um Clássico | Laranja Mecânica (1971)

 

Que Kubrick era um artista à frente de seu tempo, todos nós sabemos, mas em Laranja Mecânica isso fica mais evidente. Em uma de suas obras mais aclamadas, adaptado do livro homônimo, escrito por Anthony Burgess, temos uma visão extremamente complexa e atual da forma como a sociedade enxerga e lida com a violência.

Para o início dos anos 1970, a violência poderia não ser vista como algo tão comum quanto vemos hoje, afinal, todos os dias recebemos enxurradas de notícias e programas transformando isso em um teatro. Mas o que Kubrick queria ao nos apresentar sua obra, era abrir um debate sobre como lidamos com a complexidade do assunto, o que sempre vemos é o lado de atribuir a culpa para o lado pessoal, deixando completamente de lado todo o sistema que corrobora para métodos tão cruéis quanto aqueles que estão sendo punidos.

Chega a ser irônico quando Alex vai para o reformatório e passa a utilizar um lenço vermelho no braço, remetendo diretamente a repressão e violência, como a que os judeus sofreram durante a Segunda Guerra, já que é um dos principais significados desta cor na sétima arte.

Um dos principais acertos do diretor é fazer com que um personagem tão detestável seja o protagonista do filme, um trabalho de direção e atuação perfeitos tiveram que estar bem alinhados para darem certo. Pois não é fácil fazer com que o público passe mais de duas horas interessado em acompanhar um sociopata, ladrão, assassino, estuprador.

Claro que não é apenas o texto que torna Alex um personagem tão complexo e bem construído. Todo o trabalho do Malcolm McDowell foi tão minucioso que, até após sua morte, o ator vai ser lembrado primeiro por este papel. O modo como Alex andava, com classe e hostilidade, o olhar psicótico, toda desenvoltura e imprevisibilidade.

Gosto de como o Kubrick sempre utiliza a câmera de forma mais agressiva aqui, principalmente quando o personagem está fragilizado, transmitindo uma tensão a mais com a câmera na mão, balançando de um lado para o outro. Isso faz com que o personagem se torne mais quebrável do que ele realmente é. É quase como se o diretor testasse a compaixão do público para com o cruel protagonista.

Esta obra mostra tão bem o reflexo da sociedade perante a hipocrisia, que na época o próprio diretor teve que pedir para a distribuidora retirar o filme do circuito, pois o governo estava utilizando a obra como um exemplo para motivar as pessoas a serem mais violentas. Kubrick sempre fez questão de bater de frente com esse tipo de argumentação e, mesmo sendo hostilizado, se manteve firme em suas convicções e só cedeu quando foi ameaçado de morte junto à família.

Nesse tipo de obra em que entendemos que o diretor não estava ali para dar respostas, não é dever do artista fazer isso, mas sim questionar e fazer com que as pessoas fizessem o mesmo. Por isso e outros vários motivos, Laranja Mecânica é um filme extremamente atual e tão aclamado.

O filme expõe às pessoas que a violência é algo muito corrosivo à sociedade, mas que o ser humano foi moldado nela, utilizando-a como ferramenta para pregar suas crenças e ideologias, exaltando isso como diversão — e, mesmo aqueles que têm o dever de fazer como que essa onda de violência acabe, são muito piores dos que são julgados como más índoles.

Kubrick entendia que a forma mais fácil de chamar a atenção do público para esse tipo de assunto não era chocar, mas sim mostrá-lo de forma completamente teatral, já que todos os dias, milhares de pessoas garantem uma boa dose de violência em suas vidas diante as tvs, celulares etc. Óbvio que no início dos anos 1970 as pessoas alimentavam isso de outra forma, mas em nenhum momento o diretor estava fazendo uma obra de sua época.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Título Original: A Clockwork Orange

Direção: Stanley Kubrick

Roteiro: Stanley Kubrick

Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke, Adrienne Corri, Carl Duering, Clive Francis, Miriam Karlin

Fotografia: John Alcott

Montagem: Bill Butler

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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