Persona | Trevor Reznik (O Operário)

Se tem um ator que não tem medo de fazer transformações físicas que muitas vezes lhe custam até a saúde , esse ator é Christian Bale. O britânico já teve todas as formas, desde o golpista gordinho de Trapaça, a um Bruce Wayne musculoso na trilogia Batman de Christopher Nolan, o magrelo Dicky Eklund em O Vencedor e até engordou novamente para viver Dick Chenney no recente Vice. Mas a mudança de visual que certamente mais chama atenção em sua carreira é a do filme de 2004, O Operário. Para viver Trevor Reznik, Bale perdeu cerca de 28kg. 15 anos depois, esse ainda é o recorde de perda de peso de um ator para um papel no cinema.

Para começar, é quase impossível fazer a análise do personagem sem dar alguns spoilers. Portanto, sugiro que você só leia esse texto se já assistiu ao filme.

Trevor Reznik é operário de uma fábrica. Seu porte esquelético já chama atenção e ele está quase sempre de olhos arregalados, numa expressão entre o catatônico e o sobressaltado. Sua solidão é quase palpável, já que ele interage apenas o necessário com as pessoas à sua volta. Seus colegas de trabalho relatam que nem sempre foi assim: Trevor costumava socializar, jogava poker com os companheiros de fábrica e tinha uma aparência mais saudável. Todos se perguntam o que aconteceu. O que levara àquela mudança drástica de físico e comportamento? É evidente que algo está errado. Ele diz que não usa drogas ilícitas e mal bebe, mas uma aura de mistério envolve aquele homem que se esconde até de si mesmo.

Trevor

A única pessoa com quem Trevor ainda conversa um pouco e parece ter uma certa conexão emocional é a prostituta Stevie (Jennifer Jason Leigh); tem também a garçonete Marie (Aitana Sánchez-Gijón), mas se você assistiu ao filme, sabe que não é bem assim. “Se você fosse mais magro, você não existiria”, diz Stevie. A frase acaba tão marcante para Trevor que seu subconsciente a projeta em Marie, nos dando as primeiras dicas de uma mente bastante perturbada. O cansaço está estampado na sua cara em olheiras profundas, mas não dorme há um ano e, sempre que parece que vai conseguir cochilar, algo acontece e o desperta. A falta de sono não é uma escolha: é apenas o modo com que seu corpo reage a algum fato que, até então, não sabemos o que é.

Outros sinais do seu desequilíbrio são a mania com limpeza (mais especificamente alvejante, que ele usa aos montes até para lavar as mãos) e seu intenso uso de post-its, não apenas para lembretes, mas até para acompanhar a sua perda de peso. Ora, o uso do produto de limpeza em grandes quantidades demonstra uma necessidade, quase um desespero, por limpar algo de sua vida, fazer uma mancha desaparecer. E a coleção de post-its com os pesos anotados a cada subida na balança também parecem sugerir uma obsessão, só que com o próprio definhamento, como uma punição. 

É depois que conhece o tal Ivan (John Sharian), em um momento de solidão no estacionamento da fábrica, que Trevor começa a questionar seu próprio estado psicológico. Tudo parece mais estranho e os bizarros post-its com um jogo de forca começam a aparecer. É curioso que, quanto mais insano e desesperado o rapaz se torna, as letras começam a aparecer no joguinho, como se a sua mente estivesse indo ao limite para expulsar de uma vez por todas uma informação importante. Nesse ponto, o sujeito que, apesar de voluntariamente solitário e com aparência cadavérica, ainda tinha um temperamento calmo e falava em um tom baixo e tranquilo dá lugar a um homem mais explosivo e violento, que vive em uma paranoia constante de que existe um complô contra ele.

Pessoas nesse estado psicótico tendem a focar apenas na sensação de perseguição (que para elas é absolutamente real) e esquecer a importância de todo o resto de sua vida: seu trabalho já não importa tanto; as pessoas com quem convive não podem ser consideradas pois estão todas contra você; a sua própria vida não importa muito, contanto que você descubra quem é que está te perseguindo e por quê. Não à toa, o auge da psicose de Trevor se dá quando ele arma o próprio atropelamento por um carro qualquer, sem considerar que aquela atitude colocava a sua vida e a de outras pessoas em risco real tudo apenas para conseguir um endereço e continuar sua investigação sobre aquele sujeito estranho, Ivan.

A consciência de Trevor foi embora, assim como aconteceu com o seu sono e massa corporal. Sua mente vai levando-o ao limite para expurgar a verdade. Às vezes, para consertar é preciso quebrar por inteiro primeiro. Se livrar da culpa do que aconteceu no momento em que o relógio marcava 1h30 passa por admitir a verdade a si mesmo. As marcas do trauma podem se atenuar, para que sua mente finalmente possa desligar em algumas horas de sono.

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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