Horrorscópio | Zona Trash
Resposta ao desafio do Raphael Pinheiro, do Cultura Nérdica.
Fazer cinema em Alagoas já é uma conquista; conseguir fazer um filme de 100 minutos de forma totalmente independente então, nem se fala. Em Zona Trash, o diretor Clauwelivan S. Rocha coloca o seu “Robert Rodriguez sem verba” para fora, em um filme que abraça sua proposta de cinema trash com toda a força possível e mais um pouco. Pode-se dizer que o “zona” do título vai além da conotação de uma área: representa também a completa bagunça que o filme é — o que está relativamente certo, se tratando deste gênero.
Filmado entre 2011 e 2014 no pequeno município de Olho D’Água das Flores, no sertão alagoano, Zona Trash conta a história de Jorge, uma rapaz que volta para o interior para visitar os pais após uma temporada na capital. Ele pega uma carona na estrada com Dido, um viajante que está torcendo para que a gasolina do seu carro seja suficiente para chegar até a área urbana da cidadezinha. Jorge desce na tal da Zona Lixo, ainda na parte rural, onde a introdução do filme já nos informou, em tom documental, sobre uma contaminação por um vírus misterioso. Claro que temos também o governo acobertando tudo para não causar pânico e o prefeito da cidade muito mais preocupado com a imagem da sua gestão do que com a vida e segurança da população.
O filme sofre de um problema crônico de limitações técnicas e artísticas, algo que pode ser esperado no cinema trash, mas aqui é absurdamente gritante. A linha do roteiro é até boa em sua ideia bruta, mas não se desenvolve bem; os diálogos são mais que fracos e há momentos extremamente expositivos nas falas, principalmente quando um personagem está sozinho e acaba narrando suas próprias ações (há um excesso também no “pensar alto”). O uso de atores amadores pode até ter funcionado relativamente bem no caso de alguns figurantes zumbis (porém não totalmente, já que alguns parecem imitar a dança do Morto Muito Louco, do Bonde do Tigrão), mas é nada pouco proveitoso no caso do elenco principal, em especial no timing dos diálogos.
É estranho que alguns zumbis, que aqui não têm sentidos como o olfato tão aguçados como costumamos ver, pareçam ainda manter algum nível de capacidade de raciocínio, em uma tentativa de fazer graça que pouco funciona. O grande alívio cômico da narrativa é mesmo o personagem Dido que, com toda a sua coragem e triunfo contra os mortos caminhantes, quase deixa Rick Grimmes (de The Walking Dead) no chinelo — e eu duvido que o personagem de Andrew Lincoln na série da AMC faça a barba com um facão.
Se por um lado a produção até se arrisca em cenas de ação um pouco mais ousadas e perigosas, por outro, deveriam ter evitado o uso de computação gráfica, a única coisa que é ainda pior do que as atuações (se é que isso é possível). Fugir desses efeitos parecia viável, já que durante a maior parte do filme o diretor flerta com boas ideias para suprir suas limitações técnicas, como um jogo de câmera ágil. A maquiagem, ponto importantíssimo em um filme de zumbis, até que tem alguma dignidade para uma produção que obviamente não contava com um tostão no caixa.
Apesar do tom experimental, Zona Trash pode ser visto como uma superação, em algum nível, para os jovens cineastas do interior de Alagoas. Cumpre com vários pré-requisitos do gênero e não deixa de ser um filme bem intencionado; o problema é que de boas intenções, o inferno — e o mundo do cinema trash — está cheio.
PS: O filme está disponível no Youtube.
Avaliação do Clube: ★★✰✰✰
(pelo esforço)