Descubra Um Clássico | Hiroshima Meu Amor (1959)

 

Dentro de um contexto histórico/social, Hiroshima Meu Amor tem uma abertura quase documental, resgatando momentos vividos por aquele povo anos após a tragédia do ataque sofrido pelos EUA, que acabou na morte de centenas de milhares de pessoas. Isso se intercala com cenas que soam quase como sonhos lúcidos entre os protagonistas, com seus abraços e carícias revestidos apenas com um brilho que reflete diretamente com o que ocorreu a cidade anos antes. Uma mistura de sonho e realidade que está diretamente ligada entre o casal e a cidade.

As memórias fazem parte de toda narrativa do longa, já na primeira frase o peso dessas lembranças é colocado em destaque. Aquilo que machuca, distancia, que torna cada troca de diálogo mais pesado e destrutivo. É tudo muito significativo, já que as referências a própria cidade seguem vivas ao redor dos amantes. De como as pessoas continuam ali mesmo correndo o risco de se machucarem, ignorando todo o perigo para estar em casa.

É interessante notar o distanciamento gradual dos amantes a cada cena que se passa. Que começam entrelaçados abraçados, pele com pele e a cada troca de diálogos eles vão ficando mais longes um do outro; não só fisicamente, mas a forma como se falam vai se tornando mais pesada, em vários momentos o estado mudo diz muito mais sobre esse afastamento.

Alain Resnais trabalha isso muito bem com sua mise en scène, seja posicionando uma cadeira mais afastada os dois, ou enquadrando cada um nos extremos de um recinto, mantendo-os inseguros com vários objetos entre eles, criando todo um clima de separação necessária, mas que parece ser impossível ao mesmo tempo.

Por mais que o filme tenha apenas uma hora e meia, o diretor trabalha muito bem o tempo, acelerando a narrativa em momentos que ambos parecem estar aceitando a distância, e diminuindo gradativamente toda vez que a ficha dos personagens cai. É quase um ciclo vicioso do medo da carência, de não conseguir viver sem uma dose a mais daquela relação, daqueles momentos, do toque um do outro.

Esse medo que a maioria das pessoas tenta ignorar, acaba sendo alimentado com essa atitude, que corrói os sentimentos por dentro, destruindo a pessoa de modo que a torna quase dependente daquele tipo de sentimento. A mente acaba sendo a principal vítima quando as pessoas resolvem tratar a memória como algo a ser ignorado; o tempo sempre vai passar, mas as pessoas não o vivem da forma correta, tentando correr com ele, alimentando todo tipo de insegurança possível.

É como chegamos nos tempos atuais, onde pessoas evitam qualquer tipo de sentimento afetivo com medo de ter que superá-los com o tempo. As pessoas vivem no egoísmo solitário, vazias e sem experiências amorosas que destacam os seres humanos de qualquer outra criatura. Entrando na era que fingimos nos interessar e nos conectar com os outros, para suprirmos nossos prazeres, deixando de lado logo em seguida qualquer chance de uma conexão mais profunda.

Acabamos nos tornando seres frios e sem alma, indo na contramão do que nossa natureza faz questão de nos lembrar desde nossos primeiros momentos de vida. Ignoramos o tempo como se ele fosse nosso inimigo, as memórias como se quisessem nos destruir, mas que na verdade só alimenta nossas forças para superar tudo aquilo que mais dói e nos quebra por dentro, através do medo da perda.

Nota: ★★★★★

 

 

 

Ficha Técnica

Título Original: Hiroshima Mon Amour

Direção: Alain Resnais

Roteiro: Marguerite Duras

Elenco: Emmanuelle Riva, Eiji Okada, Bernard Fresson

Fotografia: Michio Takahashi, Sacha Vierny

Trilha Sonora: Georges Delerue, Giovanni Fusco

Figurino: Gerard Collery

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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