Na Netflix | O Rei
Adaptações de William Shakespeare para o cinema não são novidade, desde clássicos como Hamlet (1948), de Laurence Olivier, Romeu e Julieta (1968), do recém-falecido Franco Zeffirelli, e Ran (1985), de Akira Kurosawa, até obras mais atuais como Titus (1999) e A Tempestade (2010), de Julie Taymor, e Macbeth (2015), de Justin Kurzel. O mais novo exemplar é o épico medieval recém-lançado pela Netflix, O Rei.
Após o lançamento do bom Legítimo Rei, no mesmo período do ano passado, a gigante do streaming mais uma vez se envereda pelo terreno dos épicos medievais, demonstrando estar decidida por lançar obras do gênero próximas da temporada de premiações para, quem sabe, conseguir algumas novas estatuetas.
Dirigido pelo australiano David Michôd (de Reino Animal e Máquina de Guerra) e escrito por ele em parceria com Joel Edgerton (um dos atores do filme, por sinal), baseando-se no conjunto de peças do dramaturgo inglês intitulado “Henriad”, a trama se passa na Inglaterra do início do século XV em meio a Guerra dos Cem Anos, onde o jovem Hal, filho do rei Henrique IV, vivendo em meio ao povo e renegando qualquer relação com a corte inglesa é forçado a aceitar o trono após a morte de seu pai e liderar seu país diante da desconfiança de todos à sua volta e da tensão constante com a França.
Logo de início é possível perceber que O Rei se difere de outras adaptações de Shakespeare, que utilizam o conteúdo original de forma integral tanto na linguagem mais prolixa quanto na teatralidade, ao buscar simplificar seu texto. Essa opção dos roteiristas acaba por custar caro ao filme. Ela empobrece a obra, tornando-a básica, vazia e superficial; toda a complexidade e carga dramática encontradas normalmente nas peças shakesperianas não são sentidas ao longo de seus 140 minutos de duração. É um filme onde seu protagonista não se impõe, o espectador não sente a imponência de um dos mais populares e conhecidos reis guerreiros ingleses. Ele não passa, na maior parte do filme, de um mero instrumento manipulado por aqueles em seu entorno.
Talvez a figura de Thimotée Chalamet não contribua muito, sua interpretação mais contida e introspectiva apaga o personagem. A comentada participação de Robert Pattinson e seu sotaque francês afetado divertem, mas da forma errada, destoando completamente do tom e distraindo quem assiste ao filme. Cabe destacar a curta, porém, impressionante participação de Lily-Rose Depp que, em uma cena, consegue não só levantar o nível de atuações, mas também o texto do longa. O restante do elenco é funcional, destaque para Sean Harris e Ben Mendelsohn.
Certamente quem assistiu à Batalha dos Bastardos, ocorrida no nono episódio da sexta temporada de Game of Thrones, vai perceber a semelhança com a Batalha de Azincourt presente no clímax do filme, causando um sentimento saudosista e ao mesmo tempo uma sensação de falta de criatividade por parte de David Michôd e sua direção crua e fria. Já a parte técnica de O Rei é extremamente competente e bem executada, especialmente sua fotografia, seguindo o tom escuro e sem muitas cores presente na Idade Média.
Por fim, o novo épico da Netflix é uma fraca adaptação de uma das mais conhecidas peças de William Shakespeare, perdendo sua alma em meio a uma simplificação que prejudica o sucesso do filme. Resta aguardar se em 2020 um novo filme do subgênero vai surgir e se terá mais qualidade.
Nota: ★★✰✰✰
Ficha técnica
Título Original: The King
Ano de Lançamento: 2019
Direção: David Michôd
Roteiro: Joel Edgerton, David Michôd
Elenco: Timothée Chalamet, Joel Edgerton, Sean Harris, Lily-Rose Depp, Robert Pattinson e Ben Mendelsohn
Fotografia: Adam Arkapaw
Trilha Sonora: Nicholas Britell