Festival do Rio 2019 | Jojo Rabbit
Ao fim da sessão de Jojo Rabbit no último dia do Festival do Rio 2019, tive a impressão de ter assistido a uma mistura inusitada de dois outros filmes: A Vida é Bela, de Roberto Benigni; e Moonrise Kingdom, de Wes Anderson. Enquanto o primeiro longa conta a história de um pai protegendo o filho dos horrores de um campo de concentração nazista fazendo-o acreditar que tudo não passava de uma grande brincadeira, o segundo fala sobre a descoberta do primeira amor entre dois jovens e a perda da inocência. A obra mescla esses temas difíceis e delicados, que à primeira vista tinham tudo para dar errado numa sátira, se apresentando como um filme de grande sensibilidade e doçura, ainda que em diversas partes não esconda a realidade cruel da Segunda Guerra Mundial e da Alemanha nazista.
Escrito e dirigido pelo neozelandês Taika Waititi (de Thor: Ragnarok e A Incrível Aventura de Rick Baker), baseado no bestseller “Caging Skies”, da autora Christine Leunens, o filme acompanha a história de Johannes “Jojo” Betzler (Roman Griffin Davis), membro apaixonado da Juventude Hitlerista, cujo mundo vira de cabeça para baixo quando descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) esconde no porão de sua casa uma jovem judia (Thomasin McKenzie). Tendo como melhor amigo e conselheiro uma figura imaginária e fantasiosa de Adolf Hitler (Taika Waititi), o jovem precisará confrontar suas crenças no regime nazista.
Não há dúvidas de que tópicos relacionados à Segunda Guerra Mundial, nazismo e Holocausto são delicados e precisam ser tratados com responsabilidade e respeito. Sendo assim, em um primeiro momento, a escolha por trabalhar esses assuntos em formato de comédia pode levantar algumas polêmicas e ser encarado como uma irresponsabilidade e afronta à memória de todos aqueles e aquelas que sofreram em meio a esse período triste da História.
No entanto, Waititi consegue driblar essas questões através do seu conhecido humor irônico (com exceção de Thor: Ragnarok, onde ele abusa do pastelão), se encaixando perfeitamente em Jojo Rabbit ao desconstruir os personagens nazistas e ao utilizar a ironia como solução para a abordagem de temas tão sensíveis. E o maior exemplo de seu talento com a comédia está no personagem Yorki (Archie Yates), segundo melhor amigo de Jojo (depois do Hitler imaginário), que possui um timing cômico irresistível e que a cada cena em que aparece é impossível não rir dos seus comentários tão espontâneos e inocentes, simplesmente perfeito.
Além da parte satírica, outro ponto interessante de Jojo Rabbit está naquilo que acontece em volta de seu protagonista, nos detalhes que podem passar despercebidos justamente por estarmos acompanhando o olhar de um jovem cego pelas suas convicções, que não percebe a realidade cruel ao seu redor.
Por exemplo, numa dada cena temos Jojo e sua mãe prestes a jantar, e após uma discussão calorosa sobre política, ele pergunta a ela o porquê de não estar comendo e ela responde que não está com muita fome e iria beber somente vinho. Vemos à mesa um prato com dois pedaços de pão e uma sopeira. É possível concluir a limitação de alimentos no período, onde a personagem de Johansson prefere abrir mão de seu jantar para que seu filho coma assim como a jovem escondida em sua casa.
Outro exemplo reside no personagem de Sam Rockwell, responsável por comandar o acampamento de treinamento da Juventude Hitlerista, que retornou do conflito após uma operação ter fracassado e ele ter perdido a visão de um dos olhos. Emocionalmente afetado pelos acontecimentos do campo de batalha, quando faz reflexões sobre o país estar perdendo a guerra, os jovens não entendem, mas quando age como uma estrela do rock atirando e fazendo poses, é celebrado e ovacionado. É perceptível uma falta de esperança quanto ao futuro e até certo tom de loucura no personagem, ele simplesmente não se importa mais.
A partir do momento em que Jojo começa a questionar suas crenças, aos poucos a realidade vai surgindo e passa a confrontar a crença, inicialmente, inabalável do protagonista. A fotografia vai fazendo com que, lentamente, a cidade em que a história se passa perca sua vividez, dando mais espaço a tons de cinza e azul. Os figurinos seguem o mesmo ritmo ao se tornarem mais sóbrios e escuros, principalmente após um acontecimento trágico que marca uma virada no espírito do filme.
Utilizando a comédia para contar uma história de amadurecimento, perda da inocência e o nascimento de uma amizade inesperada em meio ao contexto da Segunda Guerra Mundial e da Alemanha nazista, Jojo Rabbit serve como um lembrete da importância de não se ignorar e esquecer período tão obscuro da História moderna. Ao ter o coração no lugar certo, o filme diverte e encanta o espectador, deixando uma ponta de esperança em tempos tão complexos e difíceis como os atuais.
Nota: ★★★★✰
Ficha técnica
Título Original: Jojo Rabbit
Ano de Lançamento: 2019
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi
Elenco: Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Taika Waititi, Rebel Wilson, Stephen Merchant, Alfie Allen, Sam Rockwell, Scarlett Johansson, Archie Yates
Fotografia: Mihai Mălaimare Jr.
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Montagem: Tom Eagles