Nos Cinemas | O Grito

O que fez o diretor Nicolas Pesce ter a vontade de reviver uma franquia morta como O Grito? A resposta é muito simples, afinal o filme de Takashi Shimizu de 2004 é, em seu estado mais puro, uma denúncia contra a violência e o ódio. Esses dois temas, por mais que a humanidade avance em termos de representatividade e outras questões, sempre estarão vivos enquanto houverem seres humanos capazes das mais terríveis crueldades. Não é nenhum absurdo dizer, portanto, que a franquia é atemporal, pois ela reflete não só denuncias importantes, como também uma personalidade muito particular da cultura japonesa.

Sendo assim, Nicolas Pesce tem como ideia base trazer a discussão sobre o ódio de volta às telas, em um momento geopolítico alarmante para o mundo. A ascensão de políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, com discursos misóginos, racistas, homofóbicos e ideias como a construção de um muro para separar as pessoas, é o suficiente para trazer histórias de horror que se aproximam da realidade. No caso do novo remake de O Grito, a maldição do ódio é transmissível quase como um vírus.

Dessa vez, os fantasmas do filme soam muito mais como gatilhos para as terríveis ações das pessoas que, impulsionadas pelo contato com o ódio e a tragédia, começam a fazer parte da doença. Não é mais sobre uma maldição que te persegue e te mata, mas uma maldição que domina a sua mente e te deixa gradativamente louco, a ponto de te fazer ferir pessoas que você ama. Nesse prisma, a obra de Nicolas Pesce pode te fazer refletir um pouco sobre a humanidade e a política, afinal a violência e o ódio fazem parte integralmente da vida das comunidades americanas, potencializados pelas ideologias chauvinistas do presidente.

O grande problema do filme, infelizmente, não está na metáfora e no subtexto, mas no trabalho da linguagem, pois, enquanto obra de horror, O Grito decepciona. Enquanto Takashi Shimizu utiliza a atmosfera como principal elemento, explorando a casa da maldição palmo por palmo, te fazendo temê-la, Nicolas Pesce não é efetivo nessas questões. O cineasta americano mostra pouco interesse em dar personalidade à casa assombrada que, apesar de bonita do ponto de vista visual (belo trabalho de direção de arte), é morta assim como seus fantasmas. Aliás, é uma pena que, para o diretor, apenas colocar uma coloração esverdeada e utilizar jump scares baratos seja o suficiente para construir uma ambientação de horror, o que mostra uma incompreensão de como funciona exatamente o gênero.

Do ponto de vista narrativo, Pesce, que também é um dos roteiristas, se perde em muitas subtramas — três, para ser mais exato. Nisso, o roteiro pula entre personagens e anula qualquer possibilidade de identificação do público com eles, o que torna as cenas de horror extremamente banais e um tanto quanto esquecíveis. Além disso, o cineasta e roteirista não consegue sequer desenvolver um mistério instigante, que aos poucos se revela e choca como o filme de 2004. Muito pelo contrário, é muito fácil ligar os pontos e entender o panorama geral, com o mistério se sustentando em pequenos detalhes que complementam o enredo. Isso torna tudo muito desinteressante.

Lembra que eu falei que o filme de 2004 era atemporal por trazer traços muito particulares da cultura japonesa? O Grito de 2020, por trazer a maldição para o ocidente, anula isso completamente. O design das criaturas sobrenaturais é muito genérico, parecido com o de qualquer filme sobre fantasmas por ai. Isso, unido aos intermináveis jump scares, completa a sensação de um terror medíocre. O filme, inclusive, se equivoca ao querer deixar explicita uma ligação com o de 2004, pois as duas obras tratam de maneiras distintas os efeitos da maldição em seus “hospedeiros”, sendo essencialmente filmes diferentes em universos diferentes.

Por fim, mas não menos importante, o diretor tenta demais refazer cenas inteiras do primeiro remake. Infelizmente, nenhuma delas soa tão memorável, parecendo apenas memórias deslocadas e que te lembram qual é o filme superior. Até mesmo a conclusão vai em um caminho semelhante, o que é frustrante e um tanto quanto previsível.

É uma pena que um filme com tanto potencial, principalmente de ser uma obra consciente, capaz de discutir com propriedade os horrores dos nossos tempos, se perca tanto em seu trajeto. A baixa bilheteria do longa pode ter enterrado de vez as expectativas da Sony fazer mais dinheiro com a franquia, o que deve evitar novas sequências. Lamento, mas que seja para o melhor. Não vale a pena reviver franquias mortas sabendo o que dizer, mas sem saber como.

Nota: ★✰✰

 

 

Ficha técnica

Nome Original: The Grudge

Direção: Nicolas Pesce

Roteiro: Nicolas Pesce

Elenco: Tara Westwood, Junko Bailey, David Lawrence Brown, Zoe Fish, Andrea Riseborough, Demian Bichir, John Cho

Montagem: Ken Blackwell, Gardner Gould

Fotografia: Zack Galler

 

 

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Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

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