Na Netflix | Destacamento Blood

 

Diversos diretores já nos entregaram obras com suas visões sobre a Guerra norte-americana no Vietnam, em sua grande maioria com seu discurso antiguerra, como Stanley Kubrick e seu Nascido Para Matar, Francis Ford Coppola e seu Apocalypse Now, ou até mesmo Oliver Stone e seu Nascido em 4 de Julho. São obras que, além de discutir a brutalidade e a desnecessária guerra pelo poder norte americano, também exploram os traumas, as lutas pelos direitos e a falsa idealização de liberdade pela qual as minorias são facilmente atraídas, seja por não aguentarem mais o preconceito social, seja por uma oportunidade de ganhar um dinheiro.

O que Spike Lee aborda em Destacamento Blood, vai muito além da guerra: vai fundo no caráter de uma nação que manda aqueles que são excluídos socialmente em seu país para matar por eles em outro continente, buscando impor ideologias que os próprios acreditam ser soberanas. As cicatrizes que a população preta americana carrega não são de hoje, ou de 50 anos atrás, mas de séculos de tortura, escravidão e preconceitos, com os quais os mesmos lutam contra entra ano e sai ano, tentando conquistar seus direitos, lutando por justiça histórica, e principalmente, lutando para não serem mais assassinados todos os dias pelas mãos de brancos.

Spike Lee abre seu filme com as palavras de Muhammad Ali, após se recusar a ir ao Vietnam matar pessoas que nunca o fizeram mal algum, simplesmente porque os brancos queriam. Aquelas palavras de Ali estão marcadas na história não só por ser um discurso poderoso, mas por ser a mais pura verdade, se os pretos americanos não aceitam as ordens brancas, eles são presos, se os pretos americanos aceitam as ordens, acabarão mortos em batalha, visto que normalmente eles eram mandados para a linha de frente, já que suas vidas eram descartáveis.

Lee explora a insanidade ao trazer seus personagens de volta à selva anos após a derrota americana, atrás de um tesouro e do corpo de Norman (Chadwick Boseman), líder de seu esquadrão e que morreu em combate. Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e David (Jonathan Majors) começam suas jornadas unidos, mas com o tempo entendemos que cada um está ali por uma busca particular, seja de redenção, ou um recomeço, ou até mesmo para seguir o sonho de Norman, que ates de morrer queria que o tesouro fosse usado para ajudar os irmãos pretos que tanto sofriam.

Ao utilizar cenas de reais com cortes brutos para pontuar diversas falas ou imagens para homenagear pretos mortos por lutarem por seus direitos, ou que morreram acreditando que poderiam ser respeitados ao lutar por seu país. O diretor nos faz entender ainda mais o quanto essa obra não está preocupada em focar em sua história em si, mas em nos expor pelo que aqueles homens sempre lutaram, por entender que a falta de oportunidades e a ira de ser sempre subjugado pode fazer com que os mesmos se desiludam e caiam numa armadilha. Spike Lee deixa isso claro quando Paul se mostra eleitor de Donald Trump, por exemplo.

A verdade é que em poucos minutos de filme, Lee já nos diz o que sua obra vai abordar e que a história dos Bloods está ali como um simbolismo, sim, um simbolismo que chega a ser bem forte em certas cenas, mas que no geral pode soar um pouco simplista para quem não está interessado na discussão que o diretor nos traz.

O filme tem escolhas estéticas interessantes, como a diminuição da proporção da tela quando os Bloods estão sendo mostrados no passado, dando toda uma estética de que o filme realmente foi gravado durante aquela época. E também a excelente escolha de não rejuvenescer seus personagens, mostrá-los da mesma forma que estão no presente, deixando mais claro que são as mesmas pessoas ali, lutando contra seus fantasmas e em busca de seu companheiro.

Existem dois momentos bem particulares que me arrepiaram bastante: os dois monólogos do Delroy Lindo, olhando para a câmera, em um delírio particular; a força dessa cena e de suas palavras batem forte e parece até nos preparar para o que está por vir.

Assim como em Infiltrado na Klan (o texto você pode conferir aqui), Spike Lee nos dá um soco no estômago em sua cena final. Ele está sempre representando em suas obras a realidade em que o seu povo vive e as lutas que os pretos travam todos os dias, seja para não serem mortos, seja para que o mundo entenda que vidas pretas importam, seja para que finalmente eles consigam sua liberdade que nunca lhes foi realmente entregue.

Nota: ★★★★✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Da 5 Bloods

Direção: Spike Lee

Roteiro: Danny Bilson, Paul De Meo, Kevin Willmott, Spike Lee

Elenco: Delroy Lindo, Jonathan Majors, Clarke Peters, Norm Lewis, Isiah Whitlock Jr., Chadwick Boseman

Fotografia: Newton Thomas Sigel

Música: Terence Blanchard

Montagem: Adam Gough

Figurino: Donna Berwick

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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