Na Netflix | The Old Guard

“Já estive aqui antes. De novo e de novo. E, sempre, a mesma pergunta. Acabou? Agora é pra valer? E, sempre, a mesma resposta. Estou tão cansada disso.”

Dizem que a única certeza que temos na vida é a de que, algum dia, todos vamos morrer. O nosso destino é algo desconhecido, não sabemos o que é a morte em si: se de fato é o fim, ou existe algo após ela. Talvez o ser humano, por exatamente não saber o que vem depois (se é que existe algo), ao longo da sua existência sempre procurou meios de postergá-la o máximo possível. Seja através de rituais, milagres ou ciência, a busca pela imortalidade atravessa a humanidade desde sempre.

Em The Old Guard, esse anseio pela eternidade é desconstruído, e em seu lugar são apresentados personagens imortais lidando, cada um a sua maneira, com as dores, as incertezas, o medo, e as consequências que não morrer trazem. E é justamente nesse ponto que o novo lançamento da Netflix se diferencia de tantos outros filmes de ação de grande orçamento: o seu componente humano.

Baseado na história em quadrinhos de mesmo nome de autoria de Greg Rucka (também roteirista do filme) e Leandro Fernández, The Old Guard acompanha um grupo de quatro mercenários, liderados por Andy (Charlize Theron), com uma misteriosa habilidade de não morrer, que vêm lutando durante séculos pelo bem da humanidade. Após serem recrutados para uma missão que se revela uma armadilha para expô-los – o que os obrigará a fugir –, eles precisarão eliminar uma ameaça que pretende replicar e monetizar a incapacidade de morrer da equipe, e lidar com o surgimento de uma nova imortal, Nile (KiKi Layne).

Dirigido por Gina Prince-Bythewood (Nos Bastidores da Fama e A Vida Secreta das Abelhas), o que torna The Old Guard uma grata surpresa e um sopro de originalidade em meio a um subgênero já desgastado com tantas adaptações de quadrinhos, é o fato de jamais colocar a ação acima de seus personagens, dando bastante espaço para desenvolver seus respectivos arcos dramáticos de forma íntima e humana.

A imortalidade aqui não é uma dádiva, ela cobra um preço todo tempo. Existe culpa, existe dor, existe remorso, mas ao mesmo tempo, também há espaço para uma ligação entre cada um dos componentes do grupo. Em meio às consequências da incapacidade de morrer, nasce um vínculo de empatia e uma fidelidade que os uniu ao longo de séculos. A decisão corajosa da diretora e do roteirista de seguir um caminho mais melancólico e reflexivo só comprovam o diferencial do longa.

Ainda assim, é um violento filme de ação, e dos bons. As sequências de luta muito bem filmadas e montadas, onde o espectador consegue entender o que se passa em tela e quem está fazendo o quê, empolgam. E devido ao cuidado em desenvolver seus personagens, nós nos importamos com seus destinos em meio à trama, possibilitando que o público entenda suas dores e torça pelas suas vitórias. O mais interessante é que, mesmo sabendo que os componentes da equipe não podem, teoricamente, morrer, é impossível não ficar angustiado e tenso com cada tiro que eles tomam.

As únicas ressalvas ficam por conta do vilão genérico, interpretado por Harry Melling, e pela trilha sonora, cujas músicas soam deslocadas e invasivas quando utilizadas em certas passagens do filme. Ademais, os plot twists são pouco inspirados, não conseguindo gerar qualquer tipo de surpresa ou choque em quem assiste devido a sua previsibilidade.

O longa também se destaca pela diversidade e representatividade presentes em seu elenco. Há espaço para o protagonismo de personagens negros e também LGBTQIA+, todos com suas respectivas trajetórias e motivações. Além disso, as personagens femininas são retratadas como independentes, fortes e não sexualizadas, especialmente a de Charlize Theron, que desde Mad Max – Estrada da Fúria tem se provado uma atriz que consegue equilibrar de forma excepcional a parte física exigida em filmes de ação com vulnerabilidade. Sem dúvidas, o olhar de Prince-Bythewood faz toda a diferença aqui. Ressalta-se que ela é a primeira diretora negra a comandar um filme de grande orçamento baseado em quadrinhos.

The Old Guard já chega como um dos melhores blockbusters do ano, com potencial de se tornar uma franquia que não tem medo de seguir caminhos que não são vistos com frequência em filmes de ação e de quadrinhos. Sua abordagem humana, melancólica e íntima sobre a imortalidade gera reflexão e compõe o seu diferencial, abrindo possibilidades para uma sequência que, particularmente, mal posso esperar para assistir.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica

Título Original: The Old Guard

Ano: 2020

Direção: Gina Prince-Bythewood

Roteiro: Greg Rucka

Elenco: Charlize Theron, KiKi Layne, Matthias Schoenaerts, Marwan Kenzari, Luca Marinelli, Chiwetel Ejiofor, Harry Melling

Fotografia: Tami Reiker & Barry Ackroyd

Trilha Sonora: Hauschka & Dustin O’Halloran

Montagem: Terilyn A. Shropshire

Figurino: Mary E. Vogt

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Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

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