Miss in Scene | Colette

Nascida em 1873, Gabrielle Colette foi uma escritora francesa natural de uma pequena comuna na região da Borgonha. Ela se casou ainda muito jovem com um escritor e crítico francês conhecido como Willy, e com ele se mudou para a efervescente Paris do final de século XIX. Mas é como dizem: você tira a garota do campo, mas não tira o campo da garota. Colette frequentava as grandes festas da sociedade e os encontros da comunidade artística, porém, acostumada com o contato mais profundo com o mundo e consigo mesma que a calmaria do interior lhe proporcionava, as tais soirées da Cidade Luz pareciam superficiais e pretensiosas.

Keira Knightley e a real Colette

A cinebiografia filmada por Wash Westmoreland traz Keira Knightley no papel principal da jovem escritora vanguardista que, em pleno início do século XX, resolveu dar um chute no machismo, em especial dentro do mercado editorial. Na construção de Keira como Colette, o que chama atenção é que ela consegue passar todo o amadurecimento da personagem, desde a juventude, com seu ar sonhador e inocente de moça de campo, até sua vida adulta, cheia de desejos e emoções como ira e paixão. Colette foi o último trabalho do roteirista Richard Glatzer (Para Sempre Alice, também co-dirigido por ele junto com o marido Wash) antes de sua morte por complicações da esclerose lateral amiotrófica, em 2015.

Colette Keira Knightley

É interessante que apesar da época, de sua origem camponesa e de ter se casado ainda muito nova, Colette não aceitava a ideia de submissão ao marido. Era uma moça sagaz, capaz de dar respostas bastante cortantes e atravessadas e que, com um pensamento à frente do seu tempo, enxergava o casamento como uma parceria onde ambos deveriam se comprometer igualmente, uma relação de companheirismo de verdade. Assim, não aceitava ser subjugada e tratada como um objeto bonito que Willy tinha para mostrar à sociedade. Tanto que, ao confrontá-lo após descobrir que ele andava dormindo com outras (e ele obviamente tentar convencê-la de que aquele é um comportamento absolutamente normal, parte da natureza masculina), Colette só aceita voltar para casa na condição de levarem uma vida sem mentiras e segredos, onde ela saiba de tudo e tenha uma voz ativa nas decisões, já que estavam quase falidos e ele tentou culpar apenas a moça por isso.

Willy (no filme vivido por Dominic West), aliás, se dizia crítico e escritor, mas na realidade aproveitava seu nome importante, a origem de família abastada e o prestígio no meio artístico para publicar histórias de escritores contratados por ele como sendo próprias, o que o levava a se autoproclamar um “empreendedor literário” – o que, cá pra nós, é realmente um termo mais honesto do que escritor no caso dele. A vida de luxos que fazia questão de levar, sempre esbanjando e mostrando para a sociedade que tinha uma posição privilegiada (mesmo isso nem sendo mais verdade), o deixou bem próximo da falência, sem dinheiro para sequer pagar os escritores que contratava. E foi aí que o talento de Colette desabrochou.

Para ajudar a salvar as finanças do casal, Colette escreveu o primeiro volume da série Claudine, “Claudine à l’école“. Inicialmente, Willy achou o romance impublicável por considerá-lo “muito feminino”, o que, na visão dele, devia ser algo bastante degradante. Porém, o desespero o levou a trabalhar com Colette em algumas alterações na obra, inserindo mais malícia.

Duas coisas ficam bem claras: Willy não só pensa apenas nos leitores do sexo masculino, como também não acredita que mulheres possam se interessar por uma literatura com tons mais “picantes”. Na cabeça de homens como ele, que era a esmagadora maioria naquele ponto da história (e que, por incrível que pareça, insistem em existir cá e lá até hoje), o sexo feminino era uma categoria inferior, imutável e padronizado de ser humano. Felizmente, a própria mulherada daquele tempo deu o recado comprando o livro em massa, o que o surpreendeu.

No entanto, o sucesso não foi o suficiente para modificar a dinâmica da relação tóxica que Colette e Willy viviam. Uma série de casos extraconjugais com outras mulheres passaram a acontecer de ambas as partes, mas, no caso de Colette, abertamente. Sim, Colette teve suas amantes e Willy sabia disso, mas na cabeça dele não tinha importância, afinal eram “apenas mulheres”, os seres que ele não achava páreo para ele ou não o faziam se sentir ameaçado.

Ele também passou a tratá-la cada vez mais como uma máquina de fazer dinheiro, obrigando-a a escrever os romances subsequentes de Claudine contra a vontade da moça, chegando a trancá-la por horas. Até mesmo gestos que em um relacionamento deveriam ser puramente sinais de carinho passam a servir puramente como moeda de troca para que Colette escreva mais.

Mas e nossa heroína diante de tudo isso?

Como dito anteriormente, Colette passa pela transição da moça ingênua do campo para uma mulher mais decidida, forte e até independente. Todos os acontecimentos ao lado de Willy, por mais que machuquem, de algum jeito também formam, pouco a pouco, um muro entre o casal, onde a escritora fica mais protegida das tiranias dele e consegue raciocinar com mais clareza sobre seus próprios desejos e necessidade. É uma construção lenta e dolorosa, mas que finalmente se completa quando o casal acaba se divorciando.

Ainda durante os anos de casamento, Colette pediu diversas vezes para assinar seus livros, nem que fosse apenas como co-autora, pedido que sempre era negado por Willy. Com a separação, ela finalmente colocou a boca no trombone sobre a verdadeira autoria de sua obra. Começava ali uma batalha legal, que seria mais tarde vencida pela escritora, mas que, para nossa tristeza, o filme não mostra.

O que o longa mostra, no entanto, é o crescimento de uma mulher independente, dona de si e ciente de seus desejos; o surgimento de um ícone feminista subversivo na literatura, na moda e nos palcos. Mais que um ícone passageiro, uma real influenciadora de legado duradouro.

Você pode assistir a Colette no Prime Video clicando aqui.

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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