Fotogramas | Poder e relacionamento em Trama Fantasma
Paul Thomas Anderson, em Trama Fantasma, usa sua câmera para demonstrar ao espectador a efemeridade do estado da vida de Reynolds, um importante estilista de moda interpretado por Daniel Day Lewis. O personagem vive com marcas, feridas abertas pelo que aconteceu em seu passado com a sua mãe. Ele nunca segue em frente, algo que Freud já falava em suas teorias, pois não conseguimos nos livrar dos nossos traumas de infância. Com o passar do tempo, a dificuldade de se relacionar de Reynolds é evidenciada pelo movimento, que não é apenas elegante, como os vestidos feitos pelo personagem, mas também indica um fluxo, uma constante mudança de alguém que não consegue amar e não consegue aceitar diferenças.
Seguindo essa lógica, Paul Thomas Anderson movimenta a sua câmera levemente enquanto Reynolds se aproxima da escada ouvindo a voz de Alma (Vicky Krieps), seu affair, apenas os reenquadrando de um plano de conjunto (plano com mais de uma pessoa ou objeto enquadrado) para outro, mas mudando o ângulo da cena. Agora temos um contra plongée (câmera de baixo para cima, inclinada). Em cima da escada, Alma fala de maneira levemente animada, pois deseja fazer uma surpresa para Reynolds. Ela está com a vantagem de uma informação nova e aqui, na dinâmica da cena, se sente superior a Reynolds, que embaixo da escada a observa. Apesar disso, o personagem, espacialmente, não está diminuído, mas sua figura atinge quase o meio do quadro, enquanto Alma tem um pouco mais de presença. Não existe ninguém muito superior a ninguém, sendo essa uma mera ilusão de Alma, o que vai se concretizar em alguns segundos na mesma cena.
O montador, Dylan Tichenor, corta para um primeiro plano (câmera bem próxima do rosto) de Reynolds. Atingido por uma forte luz branca, quase etérea e que dá à sua confusão um tom perfeito, o personagem demonstra, alguns segundos depois, uma decepção em sua face, mas que tenta esconder com expressões mais sutis. O fato de um plano tão aproximado entrar pode significar que, em sua própria visão, Reynolds é sim o dominante, com uma luz quase divina e que lembra o branco de sua maior criação, o vestido de noiva que o personagem fez para a sua mãe, algo que o marca. Aqui temos, portanto, uma gama complexa de emoções e de memórias à hierarquia no relacionamento, que ficam muito evidenciadas por esse primeiro plano no personagem. Eis o porquê da mudança repentina, da quebra do movimento por meio da montagem. Existe uma dualidade muito evidente entre os dois personagens nos planos escolhidos e isso se torna fundamental na narrativa.
Um contraplano (em um diálogo, se temos o plano de alguém, o contraplano é a reação do outro participante da conversa) de Alma aparece, filmado novamente em contra plongée (câmera de baixo para cima, inclinada). Aqui é marcada mais uma vez a sua posição de superioridade por ter o segredo, que é revelado. Perceba, porém, que sua figura é muito mais diminuta que a de Reynolds. A personagem, de maneira direta, não tem a mesma confusão e gama de emoções que Reynolds, portanto, Paul Thomas Anderson a enquadra da cintura para cima. De maneira indireta, o diretor aponta que ela aqui não pode vencer esse jogo, pois é a invasora do espaço, não detendo o mesmo poder. Ela depende dos gostos de Reynolds, depende de sua aceitação. Isso permanece em sua mente e em sua forma de agir, tímida, sem a confiança necessária, mas otimista. Alma, a cada resposta, se torna menos segura e existe uma intimidação à personagem com os repetidos retornos ao primeiro plano divino e gigante de Reynolds. Aqui, o montador tem a sensibilidade de captar sempre quando as reações são mais importantes e evidentes para que se entenda com perfeição as relações de poder e intenção retratadas. Reynolds, depois da revelação de que sua irmã Cyril havia ido embora à tarde, demonstra aqui, finalmente, a decepção com Alma.
Retornamos ao plano de conjunto (plano com mais de uma pessoa ou objeto enquadrado), mais aberto. Um leve movimento enquadra Alma ainda no topo, enquanto Reynolds entra em quadro, mas fica no limite dele, na parte de baixo. A distância espacial entre os dois é muito evidente. Isso mostra essa grande barreira entre os personagens, um distanciamento emocional, hierárquico. Enquanto o diálogo segue, Reynolds cita que o vestido que estava fazendo para Alma estava pronto e pede para vê-lo. A personagem desce as escadas dizendo que ela própria o havia terminado. O vestido vermelho representa na cena o ideal amoroso que Alma enxerga em Reynolds, o quão apaixonada e envolvida em seu universo ela se encontra. Já ele, em contrapartida, tem vestes em tons negros, associados à solidão, à tristeza, algo que reflete visualmente o seu afastamento de Alma. Reynolds, de maneira dissimulada, diz que o vestido está bom, mentindo, pois se sente o único dono de suas criações, sem compartilhá-lhas com mais ninguém.
Durante a cena, os personagens trocam de posição. Reynolds está na parte de baixo da escada, enquanto Alma está na parte de cima. A personagem desce e fica no mesmo nível enquanto discutem sobre o vestido. Logo após, ele sobe para tomar um banho e ela desce, fechando assim a cena completa. Isso marca, de forma definitiva, o ganhador desse jogo de poder e interações: Reynolds, pois ele ascende da confusão e decepção à não aceitação completa da situação em sua cabeça, intimidando Alma, que estava otimista no início e, ao final, se encontra um tanto desconfortável e totalmente sem confiança para prosseguir com sua surpresa. Em poucos minutos o jogo vira, o que é fascinante de acompanhar.
Dentro dessa análise um pouco mais completa, a montagem é importante justamente pela compreensão perfeita de onde cortar o movimento e o plano mais longo, adicionando camadas essenciais à complexidade da cena e ao jogo de poder, além de ser sensível o suficiente para expandir um plano em que há uma reação significativa dos atores para o conjunto do diálogo.