Descubra um Clássico | Playtime – Tempo de Diversão (1967)

 

Após se consagrar vitorioso na cerimônia do Oscar em 1959 na categoria de melhor filme estrangeiro com Meu Tio, o francês Jacques Tati demorou quase uma década para finalizar seu audacioso projeto chamado Playtime – Tempo de Diversão, onde iria produzir um épico cômico para abordar e explorar as implicações da modernidade na sociedade através de uma cidade inteiramente construída no estúdio.

A sutil crítica já se dá na própria noção da arquitetura moderna. Tudo é alinhado, geométrico, uniforme e sem vida, apesar da escala em que foi filmada — não sendo à toa que quase tudo, inclusive os figurinos, são revestidos pelo branco, preto e cinza. Tal escolha adquire um viés bastante irônico, visto que, em essência, a vida é uma gigantesca reunião de imprevisibilidades.

Como consequência disso, não existe real conectividade entre os indivíduos dentro da história que, em termos de trama, de modo proposital, não possui um objetivo bem definido.

O protagonista tenta, ao longo da projeção, conversar com o gerente, mas não consegue; o homem olha para o relógio enquanto dança com uma mulher; o trabalhador realiza atitudes desnecessárias para dar informações para uma pessoa do seu lado; a mulher, no restaurante, só exibe seu vestido verde (uma representação de sua verdadeira personalidade) dançando ou tocando piano, uma vez que, quando está com suas amigas, encobre a roupa com um casaco para gerar a falsa sensação de pertencimento.

A direção faz com que o espectador seja, de maneira constante, obrigado a observar através de novas perspectivas. Para onde olhar quando se tem tanta coisa ocorrendo em cada frame?

A minuciosa lógica da mise-en-scène se faz tão primordial porque não apenas amplia o escopo e cria uma riqueza narrativa ao instaurar um maior comprometimento da plateia com a imagem, mas também evidencia o domínio cênico de um artista que tem o total controle do que aparenta ser um completo caos.

Mesmo com os planos abertos repleto de personagens, a frieza entre as relações (muitos diálogos são proferidos nos tumultuados ambientes, mas só alguns são efetivamente compreendidos) está estabelecida, seja pela tecnologia em si ou pela confusão do trabalho dentro do sistema capitalista — conceito este que acaba rendendo ótimos momentos de humor nessa dinâmica proposta.

O mundo esmaga qualquer vestígio de individualidade e força todos a se adaptarem nesse universo mecânico, simétrico e plástico.

Portanto, o industrialismo e estilo de vida inserido nesse contexto pós-guerra, que incentiva o consumo excessivo de produtos inúteis, torna-se hilário e oco aos olhos do diretor-roteirista porque acaba retirando a identidade singular de uma cidade icônica como a de Paris, incluindo sua própria língua (um patrimônio imensurável) nas lojas que utilizam palavras em inglês e não em francês.

E é de uma extrema elegância visual o fato de visualizarmos a Torre Eiffel e outros monumentos pelo reflexo das portas de vidro para representar essa mensagem incisiva (e atual) de que as coisas extraordinárias estão sendo, pouco a pouco, esquecidas e sendo substituídas pela futilidade.

Apesar do fracasso em termos financeiros e praticamente acabar com a carreira de Tati, Playtime – Tempo de Diversão se submeteu ao teste do tempo, provou-se ser uma obra-prima e se tornou o perfeito retrato de um artista à frente de seu tempo que, ainda que tenha vivido frustrado e amargurado com as poucas oportunidades dadas após 1967, não se arrependeu um momento sequer de suas corajosas ideias.

Isso é Arte no sentido mais profundo da palavra. Coisa que não é qualquer um que alcança.

Nota: ★★★★★

 

 

 

Ficha técnica

Nome Original: Playtime

Ano: 1967

Direção: Jacques Tati

Roteiro: Jacques Tati (com a colaboração de Jacques Lagrange)

Elenco: Jacques Tati, Rita Maiden, Barbara Dennek, France Rumilly, Yves Barsacq, Reinhard Kolldehoff, Erika Dentzler  

Montagem: Gérard Pollicand

Fotografia: Jean Badal e Andréas Winding

Design de Produção: Eugène Roman

 

 

 

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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