Sci-Fi | O Segredo do Abismo

 

“… se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.”

Friedrich Nietzsche

 

Em meio a ficções científicas como O Exterminador do Futuro, Aliens – O Resgate e até Avatar, O Segredo do Abismo é injustamente a menos lembrada da carreira de James Cameron. Isso acontece porque, talvez, perto de tantos arrasa-quarteirões de bilheteria no currículo, esse seja seu longa menos bem sucedido nesse quesito. No entanto, é nesse filme que o diretor mostra que não existe ninguém que saiba dirigir como ele na água e também sua obra mais política, por assim dizer.

O longa acompanha uma equipe de uma plataforma de exploração de petróleo liderada por Bud (Ed Harris). Após o desaparecimento misterioso de um submarino nuclear nos mares do Caribe, ela será recrutada pelo exército estadunidense para resgatá-lo. Contudo, o que os componentes da equipe não poderiam imaginar é que encontrariam no fundo do oceano uma força misteriosa com o poder de mudar o mundo ou destruí-lo.

Lançado com a Guerra Fria ainda em curso, o filme possui uma mensagem antibélica e antinuclear que coloca o oceano como o responsável pelo nosso recomeço ou pelo nosso fim. Ele será o instrumento de purificação da humanidade, seja com o poder de mudar o pior do ser humano ou de nos eliminar para evitar a destruição nuclear do planeta.

Mais conhecido pelos avanços tecnológicos, especialmente em seus efeitos especiais, O Segredo do Abismo é uma obra ambiciosa que apenas poderia sair da mente de um diretor megalomaníaco como James Cameron. Só que, diferente de tantos diretores com mania de grandeza que vemos por aí, o canadense tem o domínio da tecnologia; ele sabe com o que está lidando e não se perde nela.

Se filmar com água até hoje é uma tarefa que não é qualquer um que consegue, imagine com as limitações da época? O diretor simplesmente prova que ninguém domina esse elemento no cinema como ele.

No entanto, a produção não se destaca apenas pela sua tecnologia porque também há espaço para o desenvolvimento do componente humano em sua história. É claro que não seria um filme de James Cameron se não tivesse uma cafonice aqui e acolá, além de uns deus ex machina de praxe para coroar a experiência do espectador. Porém, em meio a tudo isso, sem sentirmos, nós ficamos íntimos dos personagens de forma orgânica. Ponto para o diretor que, costumeiramente, tem seus scripts considerados o “calcanhar de Aquiles” de seus filmes. Dessa vez nem tanto.

A imagem contém a interação de humanos com um tentáculo de água controlado pelos seres que se escondem no abismo.

Em suas quase três horas de duração, o roteiro escrito por Cameron é paciente. Primeiramente, ele tem o cuidado de destinar praticamente a primeira hora do filme para apresentar a urgência da missão e a realidade das pessoas dentro da plataforma com seu labirinto de corredores, protocolos de entrada e tecnicidades. Feito isso, o longa parte para a tensão e claustrofobia daquele ambiente aquático imprevisível e desconhecido. Por fim, o diretor-roteirista deixa a meia hora final para a exploração do elemento fantástico. Sua inspiração claramente vem de obras de Steven Spielberg, principalmente Contatos Imediatos de Terceiro Grau.

Conforme o passar do tempo, as tomadas e cenas de ação subaquáticas vão ficando cada vez mais impressionantes. Em seu encerramento, ele consegue se superar com um design de produção criativo e efeitos visuais inovadores e muito avançados para a época. Assim, mesmo três décadas depois, o nível técnico alcançado pelo filme é extraordinário e ainda capaz de deslumbrar os espectadores de hoje.

A imagem ilustra uma pessoa encarando o abismo embaixo d'água.

Bem como falado antes, O Segredo do Abismo é o filme mais político (até o momento) da filmografia de James Cameron. Ele trabalha o conflito da Guerra Fria de forma crítica, condenando os dois lados pelo seu belicismo nuclear e o ser humano pela escolha de se anestesiar frente a sua própria autodestruição.

Em certo momento, a película mostra entrevistas de um canal de televisão com algumas pessoas na rua. O repórter pergunta sobre a possibilidade de um conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética em função do desaparecimento misterioso do submarino estadunidense. Os entrevistados respondem com certo tom conformado, aceitando o que viesse. Afinal, o que poderiam fazer? Era melhor não pensar nisso e seguir com a vida até onde fosse possível.

A imagem contém os dois protagonistas com o objetivo de fazer uma ligação com a crítica do diretor à indiferença humana quanto a sua capacidade de se autodestruir.

Ademais, o cineasta também faz um contraponto interessante entre o entorpecimento da sociedade com seu próprio fim e a paranoia do exército estadunidense com a Guerra Fria. Utilizando os sinais da síndrome nervosa de alta pressão (possível efeito oriundo da descompressão), como tremores musculares, náusea, excitabilidade, desorientação, e também, no limite, loucura, o único personagem que sofre desses sinais é o líder do grupamento tático especial do exército, recrutado para supervisionar a equipe da plataforma no resgate. Ele fica obcecado pela ideia de que foram os soviéticos que afundaram o submarino, não medindo esforços para completar a missão.

A imagem ilustra o que o abismo do título esconde.

O Segredo do Abismo é (infelizmente) menos lembrado do que deveria. É a prova da competência e domínio sobre a técnica de James Cameron, principalmente quando estamos em seu território: a água.

A indiferença do ser humano com seu próprio fim, assim como a paranoia dos obcecados pela tensão de um conflito direto que nunca acontecia, são olhados de volta pelo abismo de Nietzsche. Cameron, em seu filme mais político, usa a fantasia e o fundo do mar para desenvolver a tecnologia no cinema num nível nunca antes visto, como também para confrontar a humanidade.

Nota: ★★★★✰

 

 

Ficha Técnica

Título Original: The Abyss

Ano: 1989

Direção: James Cameron

Roteiro: James Cameron

Elenco: Ed Harris, Mary Elizabeth Mastrantonio, Michael Biehn, Todd Graff, Leo Burmester, J.C. Quinn,  Kimberly Scott

Montagem: Conrad Buff IV, Joel Goodman, Howard E. Smith

Fotografia: Mikael Salomon

Trilha Sonora: Alan Silvestri

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Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

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