Cinefantasy | O Cemitério das Almas Perdidas
Estreou nesse fim de semana/feriado, na décima edição do Festival Cinefantasy, o novo horror do diretor capixaba Rodrigo Aragão, O Cemitério das Almas Perdidas. Trazendo novamente elementos como mortos-vivos e bruxaria, além do vibrante som do maracatu em sua trilha sonora, o realizador prova que quanto mais verba ele tiver, melhores e mais impactantes serão suas obras.
De posse do livro de São Cipriano, um jesuíta tomado pela ganância salva da morte em alto-mar um grupo de navegantes. Ao chegar no litoral brasileiro, possuído pelo mal contido naquelas páginas e disposto a ter seu reinado satânico, Cipriano (Renato Chocair) dizima uma aldeia indígena. Alguns séculos depois, a trupe de um espetáculo de horror itinerante se encontra no mesmo lugar em que o massacre aconteceu.
Jorge (Diego Garcias), desde criança, sonha com uma indígena, Aiyra (Allana Lopes). O garoto atravessa o portão de um cemitério e é capturado por criaturas assombrosas nesse sonho. Ainda que não entenda o que seus pesadelos significam, o jovem se sente incomodado com o lugar em que se encontra. Logo depois desse devaneio, os integrantes do circo chegam na pequena cidade dispostos a apresentarem seu espetáculo. Essa é uma das subtramas que caminhará junto com a trama principal que se passa no mausoléu.
Surpreendentemente, a criatividade de Rodrigo não é cerceada pelo recurso financeiro mais alto. O medo de se deparar com uma obra que perde o tom horrorizante ao ser bem financiada pode ser descartado. Assim como em Cabrito, de Luciano Azevedo, o uso das cores e iluminação, junto às texturas criadas pelo sangue e sujeira, auxiliam na constante sensação de asco nos ambientes mais sombrios e isolados.
São filmes que focam em seus aspectos visuais como meio de atingir o espectador. Para que isso ocorra, há flechadas, decapitações e perfurações o bastante para agradar qualquer fã do gênero. Há também a maquiagem muito bem elaborada que consegue desgastar a pele das personagens, caracterizando-as como vivos ou mortos-vivos seculares. Desse modo o massacre da população originária é um banho de sangue digno do clássico de Ruggero Deodato.
Outro ponto positivo está na escolha do uso da luz azulada que banha o cemitério como ferramenta para que o espectador sinta a frieza daqueles corpos. Essa mesma luz reduz a intensidade do sangue em cena, efeito que pode vir a incomodar fãs do diretor, acostumado a estética splater. Em contrapartida, no ambiente fechado, os feixes de luz do sol ou das velas acesas criam a sensação de um espaço opressor e pouco ventilado.
Aragão poderia escancarar mais uma ferida da nação apontando seu dedo para a dizimação das comunidades indígenas por colonos. No momento em que a oportunidade de usar desses aspectos históricos como subtrama é desenvolvida de maneira rápida, o entendimento da maneira como alguns personagens se relacionam é prejudicado. De tal forma, que a ligação das etnias indígena e africana é perdida ao escolher no fim um pseudo romance forçado para desencadear na união dos dois.
Dessa maneira, o recurso de idas e vindas no espaço temporal permite que entendamos todas as causas que levaram a trupe a uma enrascada. Porém, o arco do Brasil Colônia acaba sendo mais desenvolvido que o arco moderno. Ao mesmo tempo em que essa escolha dinamiza a trama, ela prejudica o enredo ao torná-lo frágil e, por vezes, enfadonho.
Dedicado ao mestre do horror nacional, O Cemitério das Almas Perdidas com certeza deixaria José Mojica Marins orgulhoso.
O filme foi assistido online no 10º Cinefantasy.
Nota: ★★★✰✰
Ficha Técnica
Título Original: O Cemitério das Almas Perdidas
Ano: 2020
Direção: Rodrigo Aragão
Roteiro: Rodrigo Aragão
Elenco: Renato Chocair, Allana Lopes, Diego Garcias, Caio Macedo, Clarissa Pinheiro, Francisco Gaspar, Carol Aragão e Markus Konka
Trilha Sonora: João MacDowell
Fotografia: Alexandre Barcelos
Montagem: Thiago Amaral