Na Netflix | Enola Holmes
Baseado na série de livros infanto-juvenis escritos por Nancy Springer, Enola Holmes acompanha as aventuras da caçula da família Holmes que parte em busca da mãe (Helena Bonham Carter) desaparecida. Em sua procura, ela vai encontrar um jovem nobre em processo de se tornar Lorde chamado Tewksbury (Louis Partridge) que está fugindo da família, assim como precisará escapar de seu irmão mais velho, Mycroft Holmes (Sam Claflin), que insiste em querer transformar a vida dela em algo que ela não quer. Ademais, terá que mostrar seu valor a seu outro irmão, Sherlock Holmes (Henry Cavill), o detetive mais famoso do mundo, que até pouco tempo nunca tinha dado muita atenção e importância a ela.
Se passando em uma Inglaterra vitoriana, o filme protagonizado por Millie Bobby Brown se desenvolve em um período muito específico do país: quando o direito ao voto das mulheres estava em pauta para ser aprovado pela Câmara dos Lordes. Ainda que o sufrágio feminino tenha recebido aprovação somente em 1918 após a Primeira Guerra Mundial, o longa toma essa licença poética em relação ao recorte histórico com um propósito.
O filme é sobre a liberdade feminina de fazer as próprias escolhas, sem se deixar moldar por uma sociedade que esperava das mulheres apenas a maternidade e o cuidado com os filhos. Enola foi ensinada desde criança pela mãe, Eudoria, a ser independente, a se educar e a lutar (literalmente e figurativamente) por aquilo que acreditasse, não deixando que nada a impedisse.
Além disso, o novo lançamento da Netflix é uma obra sobre amadurecimento, sair da sua redoma confortável e se abrir para o mundo, mesmo que ele aparente ser perigoso e nada como imaginávamos. Certamente nenhum preparo é suficiente para o que pode acontecer quando damos esse passo, mas ele é necessário para crescermos e sermos capazes de mudar a sociedade que vivemos para melhor ou pelo menos tentar.
Romper com os padrões pré-estabelecidos já internalizados é uma tarefa árdua e essa resistência pode vir até mesmo das pessoas mais próximas a gente. Permitir que as mudanças aconteçam e aquela realidade repleta de privilégios e confortos para alguns em nome de uma nova com espaço para aqueles oprimidos e marginalizados é algo que muitas pessoas não querem, fazendo de tudo para impedir.
Dando vida à detetive em formação, Bobby Brown nos brinda com muito carisma e parece estar muito à vontade no papel, se divertindo em cada segundo da produção. Não à toa, ela é uma das produtoras do filme, o que certamente a deixa mais orgulhosa ainda do projeto em que é protagonista. Já o Sherlock de Cavill está bem longe de ser memorável. Existe pouco do detetive dos livros no longa, o que não seria um problema, afinal, há várias formas de se retratar um mesmo personagem, mas aqui ele é extremamente desinteressante. O que tem de charme falta em personalidade.
Inclusive, as liberdades tomadas em Enola Holmes (tanto no livro quanto no filme) foram razões para o Conan Doyle Estate – responsável por administrar o legado de Sir Arthur Conan Doyle – entrar com um processo contra a Netflix, a Legendary Pictures, a autora e a editora dos livros, por darem sentimentos ao personagem. A justificativa foi a de que há uma violação de direitos autorais e de marca comercial por retratar o detetive com emoções, característica presente somente nas suas últimas histórias originais, escritas entre 1923 e 1927, que estão fora do domínio público.
Uma das escolhas infelizes feitas pelo diretor Harry Bradbeer (mais conhecido por seu trabalho nas séries Fleabag e Killing Eve) foi o uso excessivo da quebra da “quarta parede”. Aqui, essa ferramenta surge muitas vezes de forma desnecessária, sempre com o intuito de fazer uma tirada cômica ou irônica por parte de Enola, distraindo o espectador e contribuindo pouco para o desenvolvimento da história. Certamente Bradbeer quis emular o que deu muito certo na série protagonizada por Phoebe Waller-Bridge, mas infelizmente o efeito ficou longe do esperado no filme.
Outro problema está nos seus 123 minutos de duração. É longo demais, não conseguindo manter o ritmo dando a impressão de que está girando em círculos, mastigando demais a história, até finalmente engatar. Uns 15 minutos a menos não fariam mal algum.
Enola Holmes é uma aventura charmosa e divertida que já nasce com potencial de franquia. O carisma de sua protagonista e a urgência dos temas abordados garantem ao filme um ar de novidade em meio a seus problemas, podendo trazer um novo público para as histórias de Sherlock Holmes, assim como duas horas de entretenimento para quem apenas procura uma diversão passageira.
Sir Arthur Conan Doyle talvez não aprovasse as mudanças feitas aqui, mas certamente sua opinião presa a um passado que já não existe mais (ainda que insista em voltar) não encontraria espaço dentro de uma narrativa que valoriza a independência e liberdade feminina acima de tudo.
Para assistir o filme na Netflix, é só clicar aqui.
Nota: ★★★✰✰
Ficha Técnica
Título Original: Enola Holmes
Ano: 2020
Direção: Harry Bradbeer
Roteiro: Jack Thorne
Elenco: Millie Bobby Brown, Sam Claflin, Henry Cavill, Louis Partridge, Helena Bonham Carter
Trilha Sonora: Daniel Pemberton
Fotografia: Giles Nuttgens
Montagem: Adam Bosman