Na Netflix | The Boys in the Band

 

Há exatos 50 anos estreava nos Estados Unidos um dos filmes mais importantes para a representatividade LGBTQIA+ no cinema: Os Rapazes da Banda. Baseado na peça de mesmo nome escrita por Mart Crowley, que chegou aos palcos em 1968, o longa é considerado uma das primeiras produções a ter sua história girando em torno de personagens homossexuais.

Ainda que produto do seu tempo, é um impactante retrato sobre a dificuldade de se aceitar numa sociedade que te rejeita de todos os lados, te oprime e te marginaliza, e sobre a destruição que isso causa em uma pessoa. Além disso, aborda temas como homofobia, solidão, depressão, envelhecimento, monogamia x poligamia, machismo e masculinidade frágil. Cabe ressaltar que, mesmo cinco décadas depois, esses temas ainda são debatidos e o sofrimento e dor abordados, infelizmente, ainda fazem parte da comunidade.

The Boys in the Band

Adaptado da peça de Crowley (baseada no revival da Broadway de 2018 vencedor do Tony Awards), The Boys in the Band segue a mesma premissa da versão de 1970 ao acompanhar sete amigos que se reúnem para celebrar o aniversário de um deles. Em meio a muito álcool, música, comentários ácidos e lembranças, essa reunião que inicialmente era para ser divertida, se torna uma oportunidade de acertar as contas com sentimentos não ditos e verdades enterradas.

A existência de uma nova adaptação de Os Rapazes da Banda em 2020 é uma oportunidade para as gerações mais novas entenderem a dura realidade do que era ser homossexual antes de acontecimentos históricos como Stonewall e a conquista de direitos que a comunidade LGBTQI+ lutou a duras penas para ter. Se até hoje uma parcela da sociedade ainda nutre ódio, um sentimento de violência e preconceito contra homossexuais, há mais de 50 anos a situação era bem pior.

Para muitos, ser gay era inadmissível, motivo suficiente para entrar em guerra consigo mesmo, se odiando, se enganando, não se aceitando. Olhar-se diariamente no espelho era como enxergar um estranho que não se entende, mantendo uma vida de aparências pautada pelo medo de ser rejeitado e violentado pela sociedade que o cercava. O caminho da depressão e solidão muitas vezes era inevitável. Sendo assim, obras como a peça original são uma forma de catarse para qualquer homossexual que já tenha passado por um caminho semelhante e se identificado com o drama de algum dos personagens desse microuniverso.

The Boys in the Band

É preciso dizer que não dá para analisar um filme sem comparar com o outro. Além do material base ser exatamente o mesmo, a nova versão é muito semelhante a original em vários aspectos. No entanto, o filme comandado por Joe Mantello (seu primeiro trabalho por trás das câmeras) não é o filme dirigido por William Friedkin. A urgência permanece, mas o estreante não filma aqueles personagens e o espaço limitado do apartamento da mesma maneira que o veterano responsável por filmes como Operação França e O Exorcista.

De fato, há uma tentativa do novo lançamento da Netflix de se “descolar” do longa de 1970 ao acrescentar uma ou outra coisa de diferente, mas essas adições não contribuem quase em nada no fim. São redundantes e até desnecessárias quando é perceptível a qualidade do texto original, que suficientemente sustentaria a cena apenas com o ator em ação e as falas sendo ditas. Por exemplo, em dado momento, quando os personagens estão participando de um jogo emocionalmente cruel, eles desabafam sobre seus sentimentos.

O filme faz questão de ilustrar o que eles estão falando através de flashbacks, seguindo um caminho diferente do original que apostava tudo em seus atores, que entregavam com seus olhares e expressividade o suficiente para o espectador sentir e visualizar suas lembranças e emoções.

The Boys in the Band

Além disso, curiosamente um pouco mais longo que o original, The Boys in the Band é mais apressado no desenvolvimento de seus personagens. Há a impressão de que a história está correndo para chegar logo no clímax, sendo que o mais interessante está em conhecermos cada um deles em meio a suas conversas, comentários ácidos e provocações.

Justamente nesses momentos de interação é que cada personalidade desabrocha e nos dá a base para sentirmos o impacto presente no ápice do filme. Em compensação, a produção busca corrigir erros presentes no longa de Friedkin ao debater a questão racial e também o quanto gays afeminados são inferiorizados pela própria comunidade.

Um aspecto que merece destaque no longa é a construção do espaço em que praticamente toda a história acontece: o apartamento de Michael (Jim Parsons). O imóvel reflete a personalidade do protagonista ao possuir vários espelhos pelo casa, demonstrando sua insegurança com a aparência tanto física quanto emocional, gerando um aspecto de decadência/ruína através da quantidade enorme de móveis velhos e desbotadas, do papel de parede, dos armários da cozinha encardidos repleto de manchas e do grande número de objetos empilhados nos cantos do local.

Como se não bastasse, durante a projeção, o personagem tenta disfarçar o ambiente com um vaso de rosas vermelhas e vários abajures acessos com o intuito de (através da iluminação) dar mais vida ao apartamento.

The Boys in the Band

Inclusive, o fato dos momentos mais descontraídos e divertidos da festa aconteceram do lado de fora (na sacada) mostra a contradição entre a máscara de conformidade social que cada um dos personagens precisa adotar para a sociedade e as dores e conflitos que eles guardam dentro deles. E isso é muito bem representado pelo apartamento em si, abarrotado e degradado onde os principais conflitos acontecem.

Aliás, o elenco ser composto inteiramente por atores assumidamente gays e ser igual ao do revival da Broadway é um detalhe importante que garante uma familiaridade e compreensão da intensidade presente no material original. Além disso, também prova que, de 1970 até 2020, algumas questões avançaram em relação à representatividade LGBTQI+ no cinema. E se as atuações não estão no mesmo patamar da excelência presente em Os Rapazes da Banda, certamente, no geral, são trabalhos consistentes e dedicados, com destaque para Andrew Rannells.

The Boys in the Band

Menos potente que o original, The Boys in the Band é competente e até necessário para que gerações mais novas possam acessar uma época em que ser homossexual era ainda mais difícil e repressor em comparação com hoje em dia. Relevante em seus temas que permanecem atuais mesmo após mais de 50 anos desde que a peça foi para os palcos pela primeira vez, o texto mantém seu impacto e força resistindo praticamente inteiro ao teste do tempo.

Isso prova que o mundo pode ter mudado e avançado em direção a uma realidade relativamente mais aberta graças à muita luta, mas algumas mágoas e cicatrizes permanecem presentes em muitas pessoas, afinal, todos estamos lutando uma batalha da qual mais ninguém sabe. Apenas nós mesmos.

Para assistir o filme na Netflix, clique aqui.

Nota: ★★★✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: The Boys in the Band

Ano: 2020

Direção: Joe Mantello

Roteiro: Mart Crowley & Ned Martel

Elenco: Jim Parsons, Zachary Quinto, Matt Bomer, Andrew Rannells, Charlie Carver, Robin de Jesús, Brian Hutchison, Michael Benjamin Washington, Tuc Watkins

Fotografia: Bill Pope

Montagem: Adriaan van Zyl

 

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Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

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