Na Netflix | Rebecca – A Mulher Inesquecível
Remakes nunca foram uma grande novidade no cinema, apesar do notável aumento em sua quantidade nos últimos 20 anos. Desde Scarface de Brian de Palma até o premiadíssimo Os Infiltrados do gênio Martin Scorsese, existem vários exemplos de ótimas releituras do material original, desde que haja uma visão artística definida para saber contar aquela história.
Com isso, a Netflix se arrisca em adaptar a obra literária da britânica Daphne du Maurier sobre uma mulher que se apaixona e casa com um milionário, mas chegando na mansão precisa lidar com o passado repleto de mistérios.
Dito isso, é uma tarefa bem difícil não comparar esse Rebecca – A Mulher Inesquecível com o clássico de mesmo nome (e vencedor do Oscar) dirigido pelo mestre Alfred Hitchcock, ainda que seja uma versão que tenha como base só o livro, sem nenhuma influência direta do filme de 1940.
O primeiro ato (que adota tons dourados para simbolizar a felicidade) parece uma aventura romântica com o claro objetivo de convencer o espectador do amor entre aqueles dois. Armie Hammer no papel do viúvo Maxim de Winter, além de ser muito novo para interpretá-lo, não possui competência dramática suficiente em gerar empatia ou curiosidade sobre sua índole para o espectador.
Por outro lado, Lily James parece ser a escolha certa para viver uma mulher frágil e inocente por causa de suas expressões angelicais, porém, no lugar de abordarem sua vulnerabilidade e, por consequência, aprofundarem o drama lúgubre baseado numa veia psicológica, optam por “levantar” temas mais atuais, principalmente o preconceito com pessoas de classes sociais mais baixas e o empoderamento feminino — não sendo à toa que ela “toma as rédeas” no terço final para tentar inocentar seu marido.
Contudo, apesar da importância e validade do que está sendo discutido, é necessário organicidade na linguagem cinematográfica. No lugar disso, tudo é posto de forma descuidada, ficando panfletário demais e, por isso, diluindo o impacto do que tem pra dizer.
O nome dela nunca é mencionado justamente porque representa essa vulnerabilidade diante da figura imponente da falecida esposa, portanto, com essa mudança de postura, não há mais propósito narrativo em esconder sua identidade.
Embora tenha partes filmadas em locações francesas, a fotografia de Laurie Rose é excessivamente artificial para o tipo de sentimento que almeja alcançar. Muitas das imagens são saturadas, dignas dos programas que qualquer um pode baixar e realizar efeitos pra deixar as coisas mais bonitas.
Se não existe um apelo estético tão atraente para uma história que se passa na década de 1930, ainda mais nesse tipo de gênero, o mesmo também pode ser falado da mansão situada em Manderley.
No filme de Hitchcock, os vários recintos (que parecem pertencer a um movimento gótico) retratam muito bem a opressão sofrida pela segunda esposa e a sufocante onipresença de Rebecca — uma mulher impossível de ser alcançada, atingindo quase um status de entidade divina nos precisos enquadramentos que empregam as sombras como eficiente ferramenta para criar uma sensação de ameaça.
Porém, nessa nova investida do streaming, o design de produção de Sarah Greenwood (responsável pelas belas ambientações em Anna Karenina e Desejo e Reparação) é plástico no pior sentido da palavra. A mansão, que deveria ser um personagem à parte para servir como alegoria desse iminente medo que nunca se materializa no aspecto físico, se torna somente mais um local nas duas horas de duração.
Diferente do mestre do suspense, que tem uma encenação impecável ao focar a câmera nos espaços vazios/desocupados e utilizar travellings com o intuito de estabelecer um viés intimista, percepções mórbidas e uma tensão crescente, o que existe aqui são inserções pouco inspiradas de delírios para emular um suposto clima fantasmagórico, ficando evidente a falta de capacidade de Ben Wheatley em unir todos os elementos em mãos para tornar a experiência em algo que provoque genuínas emoções.
Além da monotonia na concepção visual, personagens secundários desperdiçados (especialmente o de Sam Riley), oportunidades perdidas para explorar as sutilezas da natureza da governanta (interpretada pela ótima Kristin Scott Thomas), pequenos arcos que se configuram inúteis num todo (o sonambulismo de Maxim de Winter é o melhor exemplo), o diretor parece não compreender o poder da imagem, priorizando os diálogos expositivos escritos pelos roteiristas.
No fim, Rebecca – A Mulher Inesquecível, ironicamente, é esquecível. Apenas mais um entre os muitos filmes do catálogo da Netflix.
Nota: ★★✰✰✰
Ficha Técnica
Nome Original: Rebecca
Ano: 2020
Direção: Ben Wheatley
Roteiro: Jane Goldman, Joe Shrapnel e Anna Waterhouse (adaptação do livro de Daphne Du Maurier)
Elenco: Lily James, Armie Hammer, Kristin Scott Thomas, Sam Riley, Tom Goodman-Hill, Bryony Miller, Ann Dowd, Ben Crompton
Montagem: Jonathan Amos