Passaporte | A Separação

Em 2017, o diretor Asghar Farhadi foi um dos protagonistas do Oscar ao boicotar a premiação como forma de protesto à ordem executiva assinada a época pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que proibia a entrada no país de imigrantes vindos de sete países de maioria muçulmana, entre eles o Irã, país do realizador. Naquela noite, Farhadi ganharia o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela segunda vez por seu filme chamado O Apartamento.

Em seu lugar, o realizador preferiu enviar a engenheira iraniana Anousheh Ansari (primeira mulher a fazer turismo espacial) para aceitar o prêmio. Ela leu um discurso escrito pelo próprio diretor que incluía o seguinte trecho: “Lamento não estar com vocês esta noite. Minha ausência é por respeito ao povo de meu país e às outras seis nações que foram desrespeitadas pela lei desumana que proíbe a entrada de imigrantes nos Estados Unidos. Dividir o mundo nas categorias nós e nossos inimigos cria medo, uma justificativa enganosa para agressão e guerra“.

Existe um desconhecimento do cinema iraniano no Ocidente e são cineastas como Farhadi que ajudam na sua disseminação, quebrando o senso comum e estereótipos constantemente colados à imagem do país e de sua população. Em A Separação, seu filme mais conhecido e mais premiado, o diretor mostra que os problemas enfrentados por lá não são tão diferentes dos que enfrentamos por aqui (guardadas as devidas proporções) e as imperfeições humanas são as mesmas, por mais barreiras que tentem colocar para separar os dois lados.

A história do longa gira em torno de um casal que decide de divorciar ao entrarem em conflito sobre que caminho seguirão. Enquanto Simin (Leila Hatami) quer sair do país para que a filha Termeh (Sarina Farhadi) tenha mais oportunidades, Nader (vivido por Peyman Maadi) quer permanecer no Irã para cuidar do pai com Alzheimer, que a cada dia que passa fica com a saúde mais debilitada.

Em face da separação e saída de casa da ex-esposa, Nader contrata Razieh (Sareh Bayat) para ajudá-lo com os cuidados do pai doente, porém, após uma discussão e um acidente, cada um deles será confrontado com as próprias mentiras e suas consequências.

A escolha do título do filme pode, à primeira vista, parecer fazer alusão apenas ao divórcio do casal de protagonistas, no entanto, com o passar do longa é possível entender que a “separação” diz respeito a muito mais do que só o fim de um casamento. Além desse significado, Farhadi busca expor as separações que existem entre sociedade e Estado, classes sociais, homens e mulheres e também na fé. Grades, portas sempre sendo fechadas e as pessoas se olhando através de vidros mostram essa divisão constante entre os personagens em diversas situações — reforçando ainda mais essas separações que o filme quer mostrar.

Não é exagero dizer que o roteiro escrito por Farhadi é genial. O filme abre com uma cena que já estabelece a base daquele universo, colocando o espectador no ponto de vista de um juiz, mostrando que somos nós que iremos julgar quem está certo e quem está errado (se é que essa dicotomia realmente existe), já que todos ali têm suas respectivas motivações justas.

Em seguida, o texto vai soltando suas peças de maneira natural e orgânica, que a princípio podem não significar nada, porém, com o desenvolver da trama, absolutamente todas elas vão ter sua importância. Ao juntá-las, um grande quebra-cabeça de mentiras, verdades, expectativas, suposições, erros e acertos é montado, encaixando-se perfeitamente de modo que nenhum “ponta” fica solta.

Outro ponto de destaque de A Separação é na sua capacidade de extrair o realismo das suas situações. A presença da naturalidade é constante, tanto nos conflitos quanto nos dilemas de seus personagens. As relações entre eles é complexa justamente pelas imperfeições inerentes à própria humanidade. Certamente a opção de Farhadi por filmar diversos planos longos é um dos responsáveis por dar ao espectador a sensação de que aquilo que está sendo visto é real e acontecendo na frente dele.

No entanto, não seria suficiente se o diretor não conseguisse extrair o máximo de realidade de seus atores, que interpretam pessoas que podem ser qualquer um de nós, afinal, as consequências das decisões que cada um dos personagens precisa lidar são identificáveis. Não existem heróis ou vilões aqui, apenas seres humanos complexos.

Com um roteiro sutil e escrito de maneira inteligente, A Separação é um grande trabalho de Asghar Farhadi ao desenvolver os conflitos, dilemas e imperfeições humanas dentro de um mundo marcado pelas mais diversas separações. Por mais filmes iranianos que superem as barreiras que insistem em impor para nos dividir e criar inimigos. Na realidade nós somos mais parecidos do que pensamos.

Para assistir o filme no Globoplay é só clicar aqui.

Nota: ★★★★✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Jodaeiye Nader az Simin

Ano: 2011

Direção: Asghar Farhadi

Roteiro: Asghar Farhadi

Elenco: Leila Hatami, Peyman Moaadi, Shahab Hosseini, Babak Karimi, Sareh Bayat, Sarina Farhadi, Merila Zarei

Trilha Sonora: Sattar Oraki

Fotografia: Mahmoud Kalari

Montagem: Hayedeh Safiyari

Gostou? Siga e compartilhe!

Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

vinicius_bmcd has 84 posts and counting.See all posts by vinicius_bmcd

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *