Nos Cinemas | Os Novos Mutantes

 

Anunciado como um filme de terror dentro do subgênero de super heróis, Os Novos Mutantes parecia promissor. A primeira prévia, em que aparecia os jovens mutantes lutando contra seus demônios ao som de uma versão dark de Another Brick in the Wallimpressionava porque dava a sensação clara que finalmente a Fox estava apostando em uma nova vertente adulta para o universo dos X-Men depois do bem sucedido Logan. Para completar, o diretor Josh Boone estava em franca ascensão dentro da Fox, com suas adaptações carismáticas de livros adolescentes, além da produção ter conseguido diversas estrelas mirins, dentre elas Anya Taylor-Joy e Maisie Williams. 

Infelizmente, o longa foi sofrendo diversos problemas de produção com vários adiamentos de estreia. A Fox, nesse meio tempo, foi comprada pela Disney e o filme foi jogado no limbo completamente. Vez por outra, Josh Boone voltava à mídia para assegurar que sua obra ainda seria lançada. Quando finalmente parecia que o diretor havia encontrado uma luz para seu filme com um estreia marcada pela Disney, o longa sofremais adiamentos por conta da Covid-19. No dia 8 de outubro, Os Novos Mutantes foi simplesmente jogado em poucas salas, sem qualquer alarde ou mesmo vontade da empresa do Mickey. 

A trama se passa num local onde alguns mutantes que descobriram há pouco tempo seus poderes são mantidos presos. Dra. Reyes (Alice Braga) estuda-os, garantindo que, se eles seguirem o tratamento devido, sairão dali. Porém, quando Danielle Moonstar (Blu Hunt) chega no local depois de ter sofrido uma tragédia pessoal, algo começa a atormentá-los. 

O longa, apesar dtriste história de sua fracassada distribuição, não é a bomba atômica que todos esperavam. O roteiro, escrito pelo próprio Josh Boone em parceria com Knate Lee, consegue criar conflitos satisfatórios para os jovensO fato de que histórias de horror sempre se mostram ser alegorias de determinados aspectos da realidade também é aproveitado.

Se O Exorcista é, por exemplo, uma alegoria sobre as dificuldades da puberdade, Os Novos Mutantes também pode ser encarado como um símbolo das pressões sociais que os jovens enfrentam para serem todos perfeitos. Quem desviar disso merece sofrer, culminando em atos de violência moral e física, o famoso bullying. 

A relação entre Danielle e Rhane (Maisie Williams) funciona muito bem, além da personagem de Williams ser a mais definida em termos de personalidade e de traumas relacionáveis. Igualmente bons são os dramas de Sam e Roberto (Charlie Heaton e Henry Zaga, respectivamente), que apesar de serem menos explorados, estão dentro da narrativa de maneira natural e se conectam harmonicamente ao todo.  

Os roteiristas falham apenas com Illyana, a personagem de Anya TaylorJoyTodo o conflito da garota é bem superficialmente desenvolvido, apesar de podermos interpretar seu demônio interno. Ao invés de parecer uma vítima de violência, seu comportamento durão, infelizmente, parece mais a de um adolescente mimado. 

Já Dra. Reyes é outra personagem que não parece fazer muito sentido. Seu plano de deixar inúmeros jovens infinitamente mais poderosos do que ela trancados sozinhos em uma mansão não é uma das coisas mais verossímeis que o cinema já fez. A doutora sequer tem uma faceta sombria bem trabalhada, o que dá a entender o tempo inteiro que ela só quer ajudar mesmo os meninos e ponto final, mostrando que o roteiro tem sérias fragilidades do ponto de vista dramático. 

O próprio fato dos jovens não terem tido ideias óbvias para sair do local irrita bastante, principalmente quando o texto (convenientemente) dá aquele estalo nos personagens no maior estilo “eureka, achei a solução do problema!, como se fosse de fato uma solução inteligente e astuta, mas que é ridiculamente simples e óbvia desde o princípio. 

Outra questão que desagrada é que o roteiro também não consegue evoluir esses personagens de forma satisfatória. A fórmula terrivelmente óbvia do “enfrente seus medos” aqui não cabe para todos os personagens, pois o roteiro decide, sabe-se lá porquê, selecionar um ou dois personagens em específico como fonte de boa parte dos obstáculos, esquecendo convenientemente dos demais. Fica difícil ver, ao final, a evolução que todos os jovens passaram, dando a entender que boa parte deles está indo para um próximo capítulo sem nem terem concluído o primeiro. Os arcos dramáticos que são concluídos caem em um nível vergonhoso de clichê, com acontecimentos que parecem ter saído diretamente de uma série horrorosa da CW.  

Mas, em relação aos X-Men, tem algo relevante para uma possível expansão daquele universo? O filme até tenta apresentar um pouco sobre a corporação Essex, algo saído direto dos quadrinhos e que não é conhecido do grande público. Infelizmente, porém, nenhum aprofundamento é dado, ficando tudo apenas no nível da citação, talvez com os roteiristas pensando em uma possível continuação. Como todos vocês já devem saber, isso não vai acontecer, portanto, tudo soa apenas como uma oportunidade desperdiçada, mais uma. 

Pelo menos Josh Boone acerta, tanto no texto quanto na direção de atores, ao criar um bom espírito de equipe, algo que Simon Kinberg, por exemplo, não chega nem perto em X-Men: Fênix Negra (a análise pode ser lida aqui). Boone, quando trabalha na sua zona de conforto, constrói cenas muito significativas de relação entre personagens, trazendo elementos do bom A Culpa é das Estrelas. Agora quando é exigido que faça algo totalmente diferente do seu know how, aí as coisas não dão muito certo.

O tão alardeado horror do filme é mal trabalhado, sem qualquer tensão crescente ou mesmo criação de expectativa. O cineasta até tenta não se associar aos clichês dos jump scares, mas não é particularmente habilidoso em criar uma atmosfera enervante, em parte por querer misturar drama adolescente, terror e ação, três gêneros que não necessariamente conversam entre si. Um ou outro elemento de horror funciona por conta da conexão estabelecida com o drama dos jovens, mas duas ou três boas cenas não são, por si só, suficientes para carregar um filme inteiro. 

Já na parte da ação, o cineasta também mostra inabilidade de criar algo minimamente empolgante. O clímax é somente um caminhão de CGI ruim e tentativas toscas de dar uma rapidez e uma agilidade ao combate, mas que depende demais da resolução de um drama em específico para se desenrolar — o que torna tudo tão burocrático quanto visualmente desestimulante.  

O diretor-roteirista, aliás, até me parece ambicioso ao tentar uma mistura tão plural de gêneros, tentando metaforicamente apresentar a mensagem do “enfrente seu passado e seus medos”, mas o cineasta realiza tudo de uma maneira tão óbvia que é difícil levar a sério tudo aquilo apresentado, ainda mais pelo tema já ter sido abordado de maneira infinitamente superior em produções recentes, como a série A Maldição da Residência Hill de Mike Flanagan — cineasta muitmais imaginativo e hábil no trato de múltiplos gêneros.  

Os Novos Mutantes é, apesar de tudo, um filme até honesto e que tem lá seus pontos positivos. Infelizmente, a Disney não deu o melhor destino à obra, que poderia ser um chamariz para novos assinantes curiosos ao Disney+, onde, talvez, o filme tivesse um reconhecimento maior devido à própria natureza de sua história. Como um filme de destaque para chegar aos cinemas, e ainda por cima tirar as pessoas da quarentena e do conforto de suas casas para assistir, não tem qualquer apelo ou mesmo qualidade para tal.

Pelo menos agora todos os envolvidos podem voltar a fazer outros trabalhos e finalmente os X-Men da Fox descansarão para sempre. 

Nota: ★★✰✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: The New Mutants

Ano: 2020

Direção: Josh Boone

Roteiro: Josh Boone, Knate Lee

Elenco: Maisie Williams, Anya Taylor-Joy, Charlie Heaton, Alice Braga, Blu Hunt, Hnery Zaga

Fotografia: Peter Deming

Trilha Sonora: Mark Snow

Montagem: Andrew Buckland, Matthew Rundell, Robb Sullivan

Figurino: Leesa Evans, Virginia Evans

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Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

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