Horrorscópio | Frankenstein (1931)

 

“O anjo caído torna-se demônio. Entretanto, mesmo aquele inimigo de Deus e do homem tinha amigos e seguidores. Eu sou sozinho.”

 

O filme dirigido por James Whale é um daqueles casos em que a adaptação cinematográfica de uma obra literária se tornou tão impactante para a cultura popular que suas alterações (e são muitas!) viraram uma verdade para o mundo.

O livro, escrito pela britânica Mary Shelley e publicado no início do século XIX, possui um viés mais dramático e filosófico, porém, para os olhos da sociedade da época, chega a ser mais aterrorizante que hoje pela narrativa mórbida possuir um protagonista que tem a ideia de conceber vida a um monstro com restos humanos.

Invertendo muito da lógica do romantismo, o criador chamado Victor Frankenstein é um indivíduo arrogante e covarde por não assumir responsabilidades pelas desgraças que recaem em seu círculo social, tendo sua ruína desenhada desde o início por contar sua história para outra pessoa; uma reunião de péssimas características que retrata quase que exatamente a típica masculinidade tóxica.

Contudo, diferente do livro, Henry (sim, o nome também é alterado) é um indivíduo que, num primeiro momento, fica entusiasmado com seu feito para, só então, se arrepender, ser o herói da jornada e ter sua devida redenção por ser o catalisador de consequências tão horrendas.

Apesar do filme e livro não mencionarem o nome da gigante criatura (Boris Karloff no papel que definiu sua carreira), é um erro muito comum achar que Frankenstein é o nome dele. Além disso, o fato de ter uma coloração esverdeada, plugues no pescoço, não proferir uma palavra e movimentar-se lentamente contribuíram demais para a ideia do que temos nos dias atuais.

O demônio na obra literária é um ser amarelado, bem articulado com as palavras e que possui uma velocidade sobre-humana. Portanto, tais divergências, para o propósito dos realizadores, é bem eficaz para construir um clima de puro terror nessa personificação.

É bem verdade que se perde a oportunidade de estabelecer uma empatia pelo monstro ao reduzir seu dilema existencial pelo fato de possuir o cérebro de um criminoso, excluindo a promissora noção de que ele está fadado ao sofrimento/preconceito pela sua deformidade física — ainda que aja com extrema bondade e compreensão.

Contudo, os roteiristas usam muito bem o contraste entre o bem (individual e coletivo) da sociedade e a maldade acidental da criatura a favor do potencial dramático que permeia os 70 minutos de projeção, seja no contato com a inocência latente da criança chamada Maria (a flor boiando na água simboliza esse conceito) ou até mesmo a batalha final com a pacata cidade querendo abolir aquela representação máxima de crueldade.

Por outro lado, os encadeamentos de determinados eventos parecem pouco orgânicos em certos momentos. Além do arco amoroso pouco convincente, algumas facilidades se fazem presentes com o objetivo de não se perder tanto tempo em explicar a maneira que algumas coisas ocorreram, como, por exemplo, o modo como ele consegue escapar de seu encarceramento.

O apelo estético do filme de 1931 tem uma deliberada influência do expressionismo alemão, principalmente por conta da utilização das sombras engrandecidas nas paredes e da distorção dos ambientes, tornando tudo mais aterrorizante do que já seria.

O contexto religioso do texto de Shelley também fica evidente ao colocar como título alternativo “O Prometeu Moderno”. É feita uma comparação entre o cientista e o titã grego punido por roubar o fogo dos deuses para diferenciar a espécie humana de todas das outras. Em outras palavras: Frankenstein descobre o mistério divino da vida e a Natureza, em algum momento, irá cobrar o preço não pela obtenção de tal conhecimento, mas sim pela sua concretização.

Assim, está definido o paralelo entre criador e criação. Deus fez o homem à sua imagem, portanto, seria a imagem do ser perverso reflexo do protagonista? Enquanto na história original o destino de ambos está eternamente entrelaçado, aqui se vê o clássico final feliz com apenas a morte do suposto vilão.

Como se não bastasse, nas entrelinhas não existe uma condenação ao avanço científico, mas há uma preocupação em como manejar tudo aquilo com máxima responsabilidade para haver uma perfeita harmonia — o que nos afeta até hoje, com assuntos como as bombas atômicas e aquecimento global.

A obra do estúdio Universal, ainda que tenha várias modificações, faz jus ao nome do romance escrito por Mary Shelley e se torna uma das grandes experiências cinematográficas da década de 1930, colocando seu nome entre os melhores filmes de todos os tempos dentro do gênero inserido.

Nota: ★★★

 

 

Ficha Técnica

Nome Original: Frankenstein

Ano: 1931

Direção: James Whale

Roteiro: John L. Balderston, Peggy Webling, Garrett Fort e Francis Edward Faragoh (adaptação do livro de Mary Shelley)

Elenco: Colin Clive, Boris Karloff, Mae Clarke, John Boles, Edward Van Sloan, Dwight Frye, Frederick Kerr, Lionel Belmore

Fotografia: Arthur Edeson

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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