Descubra um Clássico | Tudo que o Céu Permite (1955)
A década de 1960 foi um período marcado pela ruptura da forma de se fazer cinema, mas também por explorar assuntos mais polêmicos que não iriam sofrer censura. Mesmo assim, alguns filmes da década de 1950 conseguiram ultrapassar essa barreira e até hoje demostram-se relevantes no âmbito sociopolítico e cinematográfico.
Apesar do rigor cênico e a estrutura formal e novelesca em que está inserido, a verdade é que Tudo que o Céu Permite é uma dessas obras da época em que questiona o tradicionalismo/conservadorismo da sociedade, criticando o american way of life de maneira direta.
A trama é simples: uma viúva de classe média (interpretada por Jane Wyman) se apaixona por um jardineiro bem mais novo (vivido por Rock Hudson) e, ao anunciar que irá se casar, sofre preconceito tanto pela comunidade onde está, como também uma notória resistência de seus próprios filhos.
O diretor Douglas Sirk compõe seus planos de tal forma que os sentimentos são ressaltados através das imagens. A lindíssima fotografia technicolor de Russel Metty é repleta de cores para representar esse suposto mundo plasticamente perfeito, mas que, pouco a pouco, vai se desmoronando por conta de personagens fofoqueiros, invejosos e maliciosos.
A protagonista, ainda que esteja rodeada de tantas cores desde a primeira cena, traja figurinos sem muita vida (o cinza e preto na maioria das vezes) como simbolismo da agonia por não poder viver a vida do jeito que lhe é conveniente, afetando, inclusive, os recintos da casa. Até mesmo os segmentos em que há o amor entre o casal, não apenas o azul melancólico está lá, como também a silhueta de ambos para pontuar o medo das consequências dessa relação.
O melodrama que permeia toda narrativa é eficaz porque dá esse senso constante de discrepância entre a exuberante superfície e o que de fato acontece. Esse contraste é praticamente um modo do diretor alemão ser sarcástico e crítico na maneira como a sociedade da época se comportava — algo que Todd Haynes tenta emular no ótimo Longe do Paraíso, só que em um sentido que aprofunda o viés racial da situação.
Após sacrificar sua felicidade em prol dos filhos, fica evidente o semblante de arrependimento. Enquanto a mais jovem (e a única que parece se importar com o destino da mãe) irá se casar, o mais velho irá passar uma temporada na Europa. Depois de tantos problemas por conta do possível casamento, a figura materna é quase que renegada, condenada a ficar sozinha.
O fato de nunca vermos uma foto do falecido pai cria uma tímida, mas sutil, onipresença para os membros daquela família. Não sendo à toa que, no momento em que é retirado o troféu conquistado por ele da sala, o filho se sente apavorado pela ideia do progenitor ser esquecido. É o poder da mera representação como formação dessa influência patriarcal invisível.
Logo, o presente que é dado à protagonista no Natal ser uma TV ganha conotações absurdamente irônicas. Além de se passar num momento em que famílias se reúnem para celebrar, com esse produto eletrônico ela verá romances, dramas, comédias, porém, no fim, não poderá experienciar nada por estar só. E o plano em que ela se reflete na tela resume muito bem toda essa noção emocional.
A falsa perspectiva de felicidade é o elemento dramático que escancara o problemático estilo de vida estadunidense e que se torna o catalisador para os eventos ocorridos. São personagens encarcerados nessa redoma aparentemente impecável, mas que no instante que compreendem o risco de perder essa suposta dignidade que a imagem proporciona, revelam suas verdadeiras faces.
Se por um lado existe essa elegância diversas vezes, algumas cenas são expositivas demais com o intuito de reforçar as ideias e mensagens de Tudo que o Céu Permite, como, por exemplo, a filha lecionar as questões filosóficas discutidas daquela diegese e a protagonista encontrar um livro de Henry David Thoreau e exteriorizar a frase: “A massa humana vive uma vida de angústia silenciosa. Por que se apressar tão desesperadamente para triunfar?”
O final recompensa o espectador com um final feliz, porém, o que torna a obra de Sirk tão atual é a contestação e indignação com o status quo. Anos mais tarde, a contracultura iria despencar na cultura ocidental e afetaria praticamente todos os âmbitos, incluindo o artístico.
E, ainda que seja uma relação de opressão direcionada para uma mulher mais velha, a letra de The Times They Are A-Changin’, do gênio Bob Dylan, é bem cabível nessa análise, já que aborda a diferença de gerações, a inversão da essência de conceitos estabelecidos (o perdedor será vencedor, o primeiro será o último) e de que não há outra alternativa a não ser a compreensão e, consequentemente, a aceitação do novo porque nada é eterno.
E ter a liberdade para realizar suas escolhas é o primeiro passo para usufruir, como bem diz o título, tudo que o paraíso permite.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
Título Original: All That Heaven Allows
Ano: 1955
Direção: Douglas Sirk
Roteiro: Peggy Thompson, Harry Lee e Edna L. Lee
Elenco: Jane Wyman, Rock Hudson, Gloria Talbott, William Reynolds, Agnes Moorehead, Conrad Nagel, Virginia Grey
Montagem: Frank Gross
Trilha Sonora: Frank Skinner