No Prime Video | A Assistente

Trabalhar na indústria do entretenimento não é necessariamente sinônimo de glamour. Muitas vezes significa o completo oposto, principalmente para quem fica fora dos holofotes. Para essas pessoas, as mordomias não são uma realidade – ou melhor, são, mas porque são feitas por elas e não para elas. Some-se a isso o horário de trabalho desregrado e exaustivo, os sapos engolidos e toda a realidade que o mercado da nossa cultura do “go go go” impõe como naturais e essenciais para uma carreira de sucesso, o viver para o trabalho sem questionar. Um mix bombástico, não é mesmo? E se dentro dessa dinâmica você é uma mulher e ainda por cima jovem, aí a coisa complica mais. Porque, além de tudo, vem um certo descrédito da juventude e uma errônea noção por parte de colegas e chefes de que tudo podem. Essa é a vida de Jane (Julia Garner) em A Assistente.

Jane trabalha no escritório do que aparentemente é um grande estúdio de cinema. Seu cargo é o de assistente do chefão – uma figura que jamais vemos no filme –, mas que se faz bastante presente pela forma como ocupa todo o dia da moça e pelo seu modo de agir dentro da empresa. Jane é uma recém-contratada, mas já vive o seu dia-a-dia de trabalho com uma feição quase apática, quase que realizando as tarefas no automático. É nítida a dificuldade para se encaixar naquele ambiente que a suga e com os colegas de trabalho que praticamente já não enxergam humanidade uns nos outros.

A dica para como Jane se sente vem logo nos primeiros segundos do filme, quando ela faz o trajeto de casa para o trabalho, ainda na madrugada. A partir da perspectiva da janela do carro, vemos os gigantescos arranha-céus de Nova York que parecem engolir uma personagem que se sente pequena e diminuída. A diretora e roteirista Kitty Green, dirigindo seu primeiro longa de ficção, acertou ao contar a história sem trilha sonora e ao deixar o filme levemente arrastado, dando ao espectador a clara sensação de angústia e solidão a que a protagonista é exposta todos os dias em seu ambiente profissional.

A Assistente

A gente já cansou de ouvir histórias bizarras contadas por assistentes de celebridades, por exemplo. É aquele tal do abuso de poder – “você sabe com quem você está falando?” –, como se o fato de ser conhecido ou bem-sucedido desse carta branca para sair por aí sendo babaca. É gente jogando objetos em funcionários, dando “piti” por coisas mínimas ou acreditando piamente que seu assistente vive para mimá-lo e nada mais. Mas essa lógica de poder vai além. Passa a ser de abuso psicológico, de assédio moral. Nos últimos anos, não foram poucas as denúncias de abusos cometidos por gente importante das indústrias cinematográfica e fonográfica. As vítimas, na maioria das vezes, são mulheres. E, desde já, vamos deixar claro que em 99,9% dos casos, o assédio, inclusive o sexual, está ligado à sensação de poder.

A Assistente, aliás, é uma obra que claramente resulta da era #MeToo, movimento que nasceu nas redes sociais e ganhou força com a exposição dos casos de assédio e violência sexual praticados por gente graúda de Hollywood. Jane é explorada em seu trabalho e em diversas situações sofre assédio moral. Porém, é ainda mais chocante ver que, ao desconfiar que seu chefe está se aproveitando de uma outra jovem vinda do interior, ela se vê sem saída, sem ter a quem recorrer. A indústria já é tão corrompida que muitas vezes quem poderia ajudar apenas olha para o outro lado para não se comprometer. Afinal, fingir que nada está acontecendo parece mais “fácil”, além de mais seguro no sentido de proteção e manutenção do próprio emprego.

A Assistente

O filme expõe para o espectador a realidade quase surreal em que Jane vive, mas que de irreal ou rara nada tem. É algo que acontece não só no mundo do entretenimento, mas nos mais diversos segmentos do mercado de trabalho. De forma geral, não é difícil encontrar chefes que veem suas colaboradoras do sexo feminino como subservientes ou como uma espécie de “presa”. Pode não ser a experiência de todas, mas é a experiência de muitas. E isso deveria bastar para que todos sejamos vigilantes desse tipo de comportamento.

A atuação de Julia Garner dá ainda um carisma a mais à personagem ao sair da apatia para a inquietação de forma brilhante e natural. Resta à moça o dilema moral: continuar no emprego e simplesmente fechar os olhos para as coisas erradas como todo mundo ou fazer o que seria certo, mas que pode arriscar sua carreira que está apenas começando.

Disponível no Prime Video, A Assistente é bem sucedido ao mostrar a convivência com o abuso dentro do ambiente de trabalho como um lobo à espreita, deixando clara a sensação pungente de “se correr o bicho pega, se fica o bicho come” que os funcionários, em especial as do sexo feminino, sentem dentro dessas corporações. Um grande acerto que vale a pena conferir e refletir.

Para assistir o filme no Prime Video, clique aqui.

Nota: ★★★★✰

 

Ficha Técnica

Título Original: The Assistant

Ano: 2019/2020

Direção: Kitty Green

Roteiro: Kitty Green

Elenco: Julia Garner, Noah Robbins, Jon Orsini, Matthew Macfadyen, Kristine Froseth

Fotografia: Michael Latham

Trilha Sonora: Tomar-kali

Montagem: Kitty Green e Blair McClendon

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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