Especial | 30 Anos de O Silêncio dos Inocentes
No ano de 1988, Thomas Harris lançou O Silêncio dos Inocentes, romance policial sobre uma agente do FBI que se envolve com um assassino em série para desvendar um crime. Esse é o segundo volume de uma série de quatro livros que narra a história de Hannibal Lecter. Em 14 de fevereiro de 1991, o filme homônimo foi lançado nos Estados Unidos, e durante seu período de exibição, levando em consideração apenas sua bilheteria doméstica, o título arrecadou mais de 100 milhões de dólares.
Dirigido por Jonathan Demme e protagonizado por Jodie Foster, que interpreta a agente especial Clarice Starling, e Anthony Hopkins, imortalizado no papel de Hannibal Lecter, o longa estreou no 41º Festival Internacional de Cinema de Berlim, no qual Demme venceu o Urso de Prata de Melhor Diretor. Sucesso de crítica no mundo inteiro, o filme ainda abocanhou cinco estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Ator.
Mas o que será que O Silêncio dos Inocentes apresentou ao ponto de impactar até hoje gerações de cinéfilos? Fácil de responder: é um filme que mexe com a cabeça e os sentimentos dos personagens e dos espectadores.
Um assassino está a solta matando e esfolando mulheres. A filha de uma senadora é a sua vítima mais recente. A agente do FBI Clarice Starling é encarregada por seu superior de fazer contato com Dr. Lecter, um ex-psiquiatra, que se encontra preso por assassinato e canibalismo. Ainda que seja um exemplar de maldade, Hannibal é o único capaz de “profilar” Buffalo Bill (Ted Levine), pois o criminoso está de alguma maneira ligado ao seu passado.
A delicadeza evidenciada pela pequenez física de Clarice existe em contraponto a sua força e habilidade intelectual. O filme inicia com uma sequência em que a agente treina em um bosque próximo ao prédio do FBI. A sua volta a maioria são homens, o que acentua a noção de um ambiente opressor ao qual ela não deveria pertencer. Ao adentrar no elevador, seu corpo quase some em meio àqueles outros agentes altos e robustos trajando seus uniformes vermelhos. Os olhares que a acompanham pelos corredores são os mesmos que vemos em filmes que se passam em escolas, com a finalidade de situar as personagens deslocadas como seres estranhos à “fauna” local.
Clarice é brilhante, e seu superior Jack Crowford (Scott Gleen) reconhece isso. Dessa forma, ela é escolhida para ser a ponte entre o FBI e Hannibal Lecter na tentativa de entender quem é Buffalo Bill. Seu passado, que ecoa em cenas de flashback, justifica sua melancolia e introspecção. Assim como a jovem, nosso vilão Buffalo Bill, ainda que de modo perturbador, demostra agudez em seus planos. O serial killer fictício, inspirado em assassinos reais como Ed Gein e Teddy Bundy, demostra sua perspicácia em sua última captura ao usar o artifício de estar limitado fisicamente para capturar Catherine Martin (Brooke Smith).
Inegavelmente, o astro de O Silêncio dos Inocentes é Lecter. O sedutor e bem articulado assassino provoca atração em vez de repulsa. Ao ocupar no filme uma posição de aliado aos detetives mesmo tapeando e manipulando os investigadores, seu lugar de vilão passa a ser de um antagonista. Não afirmo que nos identifiquemos com a personagem, mas somos atraídos por sua postura, seus argumentos e sua retórica.
O roteiro de Ted Sally junto da intepretação de Hopkins mantém o equilíbrio entre a frieza e o poder exercido por Lecter. A sequência em que Clarice o encontra pela primeira vez em tela consegue transmitir a mesma tensão presente no romance de Harris sem apelar para o exagero de colocar o presidiário como alguém excessivamente descontrolado. O que o livro provoca com os excessos de perguntas incisivas dispostas em longos parágrafos, o roteiro, a direção e as interpretações abarcam.
Todo o clima ressalta o desconforto da mulher, a tentativa de manipulação do canibal e o sufocamento do corredor no qual eles se encontram: misterioso, frio e distante. A iluminação difusa do ambiente com suas paredes de pedra, os vizinhos de cela de Hannibal proferindo ofensas e se jogando nas grades, são uma incursão ao esgoto, moradia dos maiores dejetos da sociedade. Sem dúvidas, um mérito da fotografia de Tak Fujimoto.
Dentre os grandes momentos do filme está a sequência em que Hannibal articula sua fuga executando os policiais que o vigiam ao som das Variações Goldberg, de Bach. A beleza de uma peça de arte é maculada pela frieza de um crime, sobretudo por Hannibal representar um exemplar de perfeição em suas conquistas profissionais e intelectuais, porém, totalmente destituído de empatia.
Da mesma forma em que o canibal alcançou um título de importância através da sua formação em Medicina, ele a usa para ferir suas vítimas física e psicologicamente. Assim, com o seu amplo conhecimento sobre outras culturas, seu apreço pelas chamadas belas artes e pela música clássica, é criado naquela pessoa um verniz de retidão que oculta o mal supremo.
E, ainda assim, a cada aparição de Lecter, nossos olhos brilham a espera de que ele lance mais um encanto e nos prenda em sua teia.
Nota: ★★★★★
Ficha Técnica:
Título Original: The Silence of the Lambs
Ano: 1991
Direção: Jonathan Demme
Roteiro: Ted Sally
Elenco: Jodie Foster, Anthony Hopkins, Ted Levine, Scott Glenn
Fotografia: Tak Fujimoto
Montagem: Craig McKay
Trilha Sonora: Howard Shore
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