Clube Cartoon | Batman: A Máscara do Fantasma
Os desenhos animados em forma de série que passavam na TV costumavam ser bem coloridos, engraçados e sem muita complexidade na história para agradar o seu público alvo: as crianças.
Contudo, com o sucesso dos dois filmes do Batman de Tim Burton, o estúdio Warner decidiu produzir a telessérie animada do Homem-Morcego num viés bem mais dramático e com um humor sarcasticamente mais refinado, se afastando ao máximo da personificação cômica de Adam West para fazer com que o público adulto (principalmente os fãs dos quadrinhos) tivesse mais interesse.
Batman: A Série Animada, além de ser um completo êxito artístico (chegou a ganhar um Emmy e ser nomeado algumas vezes ao Annie Awards) durante quatro temporadas no começo da década de 1990, foi um fundamental precursor das futuras animações nesse formato. Isso se deu pois o desenho almejava algo mais do que uma simples diversão momentânea, deixando um legado tão relevante ao ponto de tornar claro as possibilidades para reinterpretações mais revigorantes.
E foi durante essa época em que os responsáveis desenvolvem o longa-metragem Batman: A Máscara do Fantasma — filme que muitos consideram ser a melhor representação do herói nas telas do cinema, apesar de não ter sido tão bem sucedido nas bilheterias por causa da péssima distribuição do estúdio.
Toda influência estética e narrativa se deriva do subgênero noir, da literatura pulp e do expressionismo alemão, desde os personagens mergulhados por completo nas sombras (com suas estilizações em altos contrastes) até uma arquitetura gótica, onde Gotham parece ser um resultado direto da cidade do filme Metrópolis do gênio Fritz Lang.
Como se não bastasse, os criadores parecem ter em mente os quadrinhos escritos por Frank Miller, já que demonstra um Bruce mais velho, traumatizado por certas escolhas, como também, já na primeira cena, o revela numa entrada bem parecida com Batman: Ano Um.
O interesse amoroso tem o objetivo narrativo de ressaltar que ele não pode ter uma vida comum. É uma tarefa impossível conciliar a vida de vigilante com a conjugal, uma vez que colocaria em risco (e se tornaria mais vulnerável em termos emocionais) a saúde de sua família.
Os constantes flashbacks fazem com que a história contada não seja orgânica por completo, porém, faz um paralelo imagético interessante para evidenciar o abismo entre passado e presente e, ao mesmo tempo, ser (parcialmente) um conto inteligente da origem desse super-herói tão icônico em virtude da vontade de não querer perder tempo explicando eventos já conhecidos pelo público, principalmente a morte de seus pais.
Enquanto no passado existem cenas à luz do dia, no presente as cenas são ambientadas à noite, exceto quando o amor entre Bruce e Andrea é momentaneamente concretizado. Sendo assim, mesmo que tenha prejudicado um pouco o ritmo durante a projeção de quase 80 minutos, ajuda a estabelecer a tragédia do personagem principal só com as imagens.
Desde o primeiro frame, vemos Gotham surgir ao som de uma trilha sonora (composta pela falecida Shirley Walker) com um coro, cuja intenção é a de emular aquelas clássicas óperas que já prenunciam o infortúnio da trama.
Existem algumas facilidades para que os acontecimentos avancem – a mulher descobrir que Bruce é o vigilante noturno simplesmente devido ao fato dele estar na frente do túmulo dos pais e Batman descobrir quem é o Coringa ao desenhar um sorriso numa fotografia – e o suspense em torno da identidade do suposto vilão, ainda que seja bem trabalhado (apesar de estar no título, seu nome não é mencionado nenhuma vez) no terceiro ato, é muito “mastigado” por diversos diálogos expositivos.
Embora tenha um simples enredo que envolve o clássico embate entre o bem e o mau, os roteiristas fazem questão de discutir assuntos importantes quase que inerentes do protagonista, como, por exemplo, o limite da moralidade da vigilância e o próprio desequilíbrio mental do herói.
Ainda que tudo (no fim das contas) seja bastante utópico, o filme de 1993, dentro dessa estrutura de animação que recusa o cartunesco, tenta impor algo mais realista para que esses temas sejam questionados da mesma forma que Christopher Nolan fez com sua famosa trilogia.
E esse debate sobre sua condição mental vai de encontro com o Coringa (dublado pela incrível e diabólica voz de Mark Hamill) porque ambos são produtos de um aterrorizante passado. Um acredita na anarquia, enquanto o outro no estabelecimento da ordem, mas será mesmo que fazer justiça com as próprias mãos é o método correto de se fazer as coisas?
Com isso, através das escolhas feitas, a obra projeta a tragédia do protagonista, não sendo à toa que Kevin Conroy consegue criar duas vozes distintas porque compreende o dilema dramático da situação com a dualidade interna, visto que a verdadeira fantasia é a de playboy bilionário, não a do morcego. Toda desgraça que recai sobre Bruce é consequência de seus atos, mas também parte disso se deve ao fato de Andrea ir para um caminho mais tortuoso de vingança. Por mais forte e influente que você seja, nem sempre seremos capazes de mudar o destino da forma que desejamos.
Isso fica claro na dicotomia do Mundo do Futuro. Antes era um local de boas lembranças, porém, agora é um ambiente destruído pelas próprias ideias e conceitos — algo que se assemelha muito a trajetória daqueles dois.
É o passado como agente catalisador dos eventos, alterando não apenas as coisas factuais, mas também o conjunto emocional daqueles indivíduos atormentados. Foram poucas vezes que vimos, na forma de longa-metragem, um estudo psicológico tão meticuloso sobre o Cavaleiro das Trevas. Espero que não demore tanto para vermos isso mais uma vez.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
Título Original: Batman: Mask of the Phantasm
Ano: 1993
Direção: Eric Radomski e Bruce W. Timm
Roteiro: Alan Burnett, Paul Dini, Martin Pasko e Michael Reaves (baseado nos personagens criados por Bob Kane)
Elenco: Kevin Conroy, Dana Delany, Mark Hamill, Stacy Keach, Efrem Zimbalist Jr., Abe Vigoda, Dick Miller, Hart Bochner
Montagem: Al Breitenbach