Nos Cinemas | Pinóquio (2019)

 

A história de Pinóquio se tornou uma das mais populares por causa da adaptação na forma de animação produzida por Walt Disney. Ainda que tenha um tom menos sombrio para alcançar o público-alvo e uma menor preocupação em ser fiel ao texto escrito por Carlo Collodi, tornou-se um clássico indiscutível ao ponto de ser sempre mencionado quando há outra adaptação da obra literária italiana do século XIX.

O fato de Matteo Garrone escrever, dirigir e produzir uma versão menos infantilizada não surpreende nem um pouco, já que o mesmo tem experiência por trás das câmeras com o filme O Conto dos Contos (concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes), onde também explora uma narrativa que constantemente percorre entre o real e o extraordinário.

O primeiro ato demonstra todo o processo do carpinteiro Gepeto, estabelecendo a relação de criador com a criatura. Roberto Benigni (vencedor do Oscar de melhor ator em A Vida é Bela) faz uma atuação extremamente dócil e não deixa de convencer um minuto sequer desse amor incondicional que nutre pelo filho de madeira — chegando a vender as vestimentas do seu próprio corpo para adquirir o livro educativo.

Já Pinóquio (vivido pelo jovem Federico Ielapi) flerta com a arrogância e desobediência desde o início, porém, nunca faz com que o espectador o deteste. Existe nele a ingenuidade inerente de qualquer criança, além de que errar para levar o aprendizado consigo é um pedaço da jornada que todo mundo carrega dentro de si, gerando a empatia por ser algo atemporal.

O design de produção consegue ressaltar a miséria daquele universo através dos ambientes empoeirados e sem objetos majestosos com a clara finalidade de simbolizar a condição financeira daqueles indivíduos. Aliada a essa escolha estética, a fotografia opaca, pálida e sem cores intensas de Nicolai Brüel reconhece o protagonismo do personagem ao sempre destacá-lo com a cor vermelha.

Notamos (timidamente) não só a precariedade do sistema educacional, como também do judicial nessa sociedade quando o personagem principal procura a justiça por ter suas moedas de ouro furtadas. O juiz simplesmente o condena por ser inocente, mas o liberta quando tem ciência que Pinóquio furtou algumas joias e um porco.

Ainda que essa ideia seja reforçada por diálogos expositivos (“os inocentes vão para a prisão!”), toda essa inversão de valores num mundo desonesto e desesperançoso é concretizada.

A diegese, como em qualquer fábula, nunca contesta os elementos fantasiosos, seja no fato de Gepeto dar vida a um boneco de madeira ou terem criaturas falantes de características animalescas. E todo o excelente trabalho de maquiagem (junto com os efeitos visuais) ajuda a estabelecer essa verossimilhança estranhamente bizarra.

O viés cômico de várias cenas (o humor físico é utilizado em excesso) destoa do tom sóbrio que pretende atingir, prejudicando toda a dramaticidade e complexidade das situações.

Além disso, a própria estrutura do filme não é tão fluida, tornando-se, em diversos momentos, episódica. É claro que o conto original dividido em capítulos colabora para ser assim, mas aqui é uma diferente plataforma, por consequência, outra linguagem, onde é necessário possuir uma maior organicidade na narrativa para debater os temas.

A vontade do personagem principal querer ser um menino de verdade não chega a ser uma obsessão e a jornada para encontrar seu genitor fica estagnada no segundo ato.

As soluções inesperadas e aparições repentinas (a Fada Azul e o Grilo Falante são os melhores exemplos) vão de encontro com a natureza fantástica do que está sendo contado. Entretanto, não há uma sensação genuína de perigo e urgência (ou até mesmo o peso emocional necessário) nos acontecimentos ocorridos por conta das várias e rápidas sucessões de eventos durante a projeção.

Nesse caso, a escolha de ser bastante fiel ao livro de Collodi mais atrapalha do que beneficia a proposta pretendida. Com isso, repetem-se as mesmas situações (principalmente aquelas referentes ao Gato e Raposa) e lições de moralidade, gerando uma desnecessária extensão na duração da obra.

O diretor-roteirista, com a ajuda do também roteirista Massimo Ceccherini, compreende a universalidade dos relevantes assuntos, porém, o fato de ter nascido na Itália e/ou amar tanto um projeto para que tenha uma possível maior familiaridade com o texto não significa (necessariamente) que irá ser competente em suas intenções artísticas para criar a excelência.

E é isso que acontece aqui. Agora só resta torcer para que Guillermo Del Toro não cometa os mesmos erros de mais uma releitura dessa história para as telas dos cinemas.

Nota: ★★★✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Pinocchio

Ano: 2019

Direção: Matteo Garrone

Roteiro: Matteo Garrone e Massimo Ceccherini (baseado no livro escrito por Carlo Collodi)

Elenco: Federico Ielapi, Roberto Benigni, Rocco Papaleo, Massimo Ceccherini, Marine Vacth, Gigi Proietti, Alida Baldari Calabria

Fotografia: Nicolai Brüel

Montagem: Marco Spoletini

Trilha Sonora: Dario Marianelli

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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