Liga da Justiça de Zack Snyder | Na HBO Max
Não se pode negar que Zack Snyder é um diretor com visão. Visão essa que pode tanto funcionar, como em 300 e Watchmen, quanto ser equivocada, como em Batman vs Superman: A Origem da Justiça e Sucker Punch – Mundo Surreal. O fato é que a partir do momento em que Snyder foi chamado para dar o pontapé inicial no universo estendido da DC nos cinemas – seguindo os moldes da Marvel e após a trilogia do Batman dirigida por Christopher Nolan –, ele teve a liberdade de colocar sua megalomania em prática justamente através de figuras que se aproximam da imagem de deuses em formato de super-heróis. Basicamente, a tempestade perfeita para o diretor.
Primeiro, com O Homem de Aço tivemos uma noção do tom “sombrio e realista” que seria adotado dali para frente e também da falta de limites de Zack Snyder na condução do longa. O diretor acabou sacrificando o desenvolvimento de seus personagens por um gigantismo barulhento de quase duas horas e meia, além de decisões no mínimo polêmicas, como fazer o Superman de Henry Cavill matar o vilão General Zod, interpretado por Michael Shannon.
Os resultados de bilheteria não foram tão expressivos, mas o suficiente para que a Warner Bros. desse sinal verde para o próximo filme do DCEU: Batman vs Superman: A Origem da Justiça. A partir daí, o que já era estranho, desandou de vez. Inchado, excessivamente longo e confuso, o filme desagradou a crítica e o público, resultando em uma bilheteria abaixo da esperada e fazendo com que toda a visão de Snyder para o universo compartilhado da DC nos cinemas fosse fortemente afetada. E o projeto seguinte que sofreria diretamente com isso era nada mais nada menos que o filme da Liga da Justiça.
Com uma produção extremamente problemática marcada por mudanças constantes no roteiro antes e durante as filmagens, orçamento estourado e uma tragédia pessoal envolvendo a família de Zack Snyder, em 2017 o diretor decidiu se afastar do filme na pós-produção. Em seu lugar, a Warner Bros. contratou para finalizar o longa Joss Whedon, o responsável por escrever e dirigir Vingadores e Vingadores: A Era de Ultron, dois dos maiores filmes do MCU.
Tentando trazer um tom mais colorido em substituição ao “sombrio e realista” de outrora, além de mais humor em consonância com a cartilha dos filmes da Marvel, Whedon modificou o roteiro e fez refilmagens, além de reduzir para duas horas a duração do longa a mando do estúdio. O resultado do tão esperado e conturbado filme da Liga da Justiça foi frustrante para muita gente. Ainda que enxuto e divertido como entretenimento passageiro, é um longa genérico, com um péssimo vilão e muito aquém da grandeza e importância que a união do Superman, Batman, Mulher Maravilha, Flash, Aquaman e Ciborgue merecia.
A recepção morna do filme, o seu flop de bilheteria e um prejuízo de cerca de 60 milhões de dólares, somado ao que ficou acumulado com O Homem de Aço e Batman vs Superman: A Origem da Justiça, pareciam, a princípio, ter enterrado tanto a participação de Snyder em projetos da DC quanto a ideia de um universo estendido nos cinemas. Pareciam.
Com o surgimento de detalhes da complicada e turbulenta produção de Liga da Justiça antes do afastamento de Zack Snyder, fãs começaram uma campanha online que recebeu apoio tanto de atores do filme quanto de membros da equipe pedindo o lançamento do corte original pensado pelo diretor, o chamado Snyder Cut.
Esse movimento saiu da bolha da internet e chegou às ruas na forma de outdoors ao mesmo tempo em que buscava levantar fundos para a American Foundation for Suicide Prevention, organização de saúde voluntária com a missão de “salvar vidas e levar esperança às pessoas afetadas pelo suicídio”. Na época, apesar do crescimento da campanha, especialistas da indústria consideravam o lançamento do Snyder Cut como improvável. No entanto, surpreendendo a todos, a Warner Bros. decidiu apostar na ideia e em Maio de 2020 Zack Snyder confirmou o projeto e que o seu corte do longa seria lançado na HBO Max.
Para finalizar os efeitos visuais, trilha sonora e edição, além da filmagem de um novo material, o estúdio investiu cerca de 70 milhões de dólares, levando o orçamento total do filme, somado à versão de 2017 dos cinemas, para 370 milhões de dólares.
Após cinco anos de muita espera, frustração e expectativa dos fãs, Liga da Justiça de Zack Snyder estreou dia 18 de Março nos Estados Unidos na HBO Max e no resto do mundo em plataformas de video on demand.
A trama é basicamente a mesma da versão dos cinemas de 2017 que dá sequência aos acontecimentos do final de Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Com a morte do Superman (Henry Cavill), o mundo entra em estado de luto. Ao mesmo tempo, três caixas misteriosas chamadas Caixas Maternas despertam: uma na Ilha de Themyscira, outra em Atlantis e a terceira nas instalações dos laboratórios S.T.A.R. Em busca delas para destruir a Terra e reconquistar a confiança de Darkseid (Ray Porter), surge o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) e seu exército de parademônios.
Impulsionado pela restauração de sua fé na humanidade e inspirado pelo ato altruísta de sacrifício do Superman, Bruce Wayne (Ben Affleck) convoca sua nova aliada Diana Prince (Gal Gadot) para o combate. Para tal, Batman e Mulher-Maravilha saem em busca de outros heróis visando formar uma equipe, o que os levará a cruzar o caminho do Aquaman (Jason Momoa), Flash (Ezra Miller) e Ciborgue (Ray Fisher). No entanto, mesmo com a formação da liga de heróis sem precedentes, o ataque ao planeta ainda pode ser catastrófico.
Ao longo de 242 minutos de duração, Liga da Justiça de Zack Snyder é, antes de tudo, um filme sobre luto e ausência, o que justifica totalmente a visão “sombria e realista” adotada anteriormente ser repetida aqui. Assim como o mundo após a morte do Superman, cada um dos super-heróis está encarando algum tipo de perda ou consequência dela. E foi essa a forma escolhida pelo diretor para humanizar figuras que ele enxerga como deuses, o que vai acabar equilibrando um pouco a balança em relação a sua já conhecida grandiosidade visual que ao longo do tempo foi disfarçando cada vez menos a sua dificuldade em contar histórias.
O Batman, por exemplo, precisa lidar com a culpa que carrega por se sentir responsável pela morte do Último Filho de Krypton, já a Mulher-Maravilha ainda sente a ausência de Steve Trevor ao mesmo tempo em que sente falta de sua mãe e sua terra, a Ilha de Themyscira. Aquaman é um lobo solitário que renega seu trono de Atlantis por conta da mágoa e ressentimento que sente pela mãe, e Flash está totalmente perdido em uma vida solitária cujo único objetivo que o consome é lutar pela inocência de seu pai, que está preso desde sua infância acusado de ter matado sua mãe.
No entanto, é a figura do Ciborgue o fio condutor da narrativa. Culpando o pai pela morte da mãe e também por transformá-lo em algo com poderes que ele ainda não entende, o personagem, que no filme de 2017 não teve desenvolvimento algum, tem seus dilemas trabalhados por Snyder com a atenção devida o colocando como peça fundamental da trama.
Diferente da visão mais enxuta de Joss Whedon, no Snyder Cut as duas primeiras horas do longa são separadas para que cada um dos seus heróis seja apresentado e tanto suas personalidades quanto arcos sejam igualmente desenvolvidos. O que nos leva a um dilema.
Ao mesmo tempo em que isso é um fator essencial para que o público conheça e entenda as motivações de cada um dos personagens, essa metade do filme é mais lenta e arrastada, gerando uma sensação de cansaço no espectador pois fica uma impressão de que o longa está enrolando para acontecer. Sendo assim, passar por esses cerca de 120 minutos pode vir a ser uma tarefa mais árdua do que agradável para quem estiver assistindo.
Porém, é no restante do longa que Liga da Justiça de Zack Snyder acontece e cresce, especialmente pelo espaço dado ao vilão Lobo da Estepe e sua relação com Darkseid. Isso vai trazer o tom urgente e grandioso que justifica a união desses super-heróis, cuja megalomania de Zack Snyder se encaixa e vai dar o tom do clímax épico do filme. Cada membro da equipe tem seu momento e importância no conflito com o antagonista, muito mais ameaçador e poderoso do que no filme de 2017 e que vai dar um bom trabalho para a Liga.
Mais soturno e grandioso, o que os fãs tanto pediram virou, finalmente, realidade e fez jus ao que faltou na versão de 2017 – ainda que ela não seja tão desastrosa assim –, que entre tantos problemas de produção conseguiu ao menos entregar uma obra divertida. No entanto, empalidece totalmente (apesar das cores vibrantes) quando colocada frente a frente à versão de 2021.
Longe de ser perfeito, o Snyder Cut acerta no tom épico e por dar mais espaço para que cada um dos heróis e seu vilão tenham seus arcos desenvolvidos, cujo peso do luto e das responsabilidades é bem trabalhado pelo roteiro. O preço pago por isso são suas duas primeiras horas serem arrastadas e cansativas, mostrando o excesso de apego de seu diretor na hora de cortar e montar o longa.
Com o posicionamento oficial definitivo de que a Warner não vai mais dar continuidade ao chamado “Snyder Verse” (mesmo que ele tenha deixado diversas pontas soltas no filme, especialmente no epílogo), inclusive o estúdio tendo, a princípio, cancelado o filme dos Novos Deuses dirigido e coescrito por Ava DuVernay que contaria com a presença de Darkseid como um de seus personagens, Liga da Justiça de Zack Snyder é um exemplo de que segundas chances, ainda que raramente dadas quando falamos de fracassos no cinema, são bem-vindas quando aprendemos com os nossos erros.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
Título Original: Zack Snyder’s Justice League
Ano: 2021
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Gal Gadot, Ray Fisher, Jason Momoa, Ezra Miller, Willem Dafoe, Jesse Eisenberg, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, J. K. Simmons
Fotografia: Fabian Wagner
Montagem: David Brenner
Trilha Sonora: Tom Holkenborg