Viúva Negra | Nos Cinemas

Conversando com uma grande amiga, Viviane Muniz, uma baiana arretada e de grande coração, depois da sessão do mais novo filme do Marvel Studios, comecei a explicar o que pensava sobre ele. Argumento vai, argumento vem, ela me falou algo que me desarmou e me fez entender a relevância de se ter um mais um filme com mulheres no centro da ação: “Eu me vi na tela. Sempre quis ser uma heroína e agora posso presenciar mulheres sendo fodas e chutando bundas” (fala transposta livremente).

De um mero peão sexualizado em Homem de Ferro 2 a uma personagem relevante para a franquia, toda a trajetória de Natasha Romanoff no MCU demorou a se desenhar. Há quem diga que a personagem não foi bem representada durante todos esses anos de estrada, servindo apenas para empurrar os homens para o centro da ação. A Marvel teve de engolir o grande sucesso de sua concorrente em apresentar uma grande heroína nas telonas, para só depois decidir agir e dar protagonismo às suas personagens femininas.

A mulher no centro da ação

Finalmente, Natasha agora é a agente da ação. A trama de Viúva Negra gira em torno de sua personagem e de sua irmã (Yelena) que buscam derrubar uma organização liderada por um criminoso russo que escraviza mulheres e as transformam em armas letais, as Viúvas Negras, para controlar a política internacional.

A temática do tráfico de mulheres se conecta ao fato da sociedade machista sempre diminuir a figura feminina, colocando o homem em posição de superioridade em relação à mulher. É preciso, portanto, se libertar, “quebrar as amarras” e derrubar esse símbolo de controle canalizado pelo personagem Dreykov.

O mafioso russo, enquanto símbolo da masculinidade tóxica, é um personagem curioso. A caracterização do ator Ray Winstone lembra a figura de Harvey Weinstein, o produtor que assediou dezenas de mulheres, utilizando seu poder nos bastidores para ameaçar as carreiras delas e destruir suas vidas caso não cumprissem seus desejos. A analogia é bem pertinente e a construção do personagem ajuda a construir essa ponte com o mundo do entretenimento que tem cada vez mais denunciado casos de assédio em Hollywood com movimentos políticos e sociais como o Me Too.

O filme, inclusive, não perde tempo com meias palavras quando explora o tema do machismo. O controle mental que Dreykov implementa nas Viúvas Negras é explorado para fazer o espectador compreender a necessidade do empoderamento feminino. O uso do vermelho pela fotografia e design de produção se ressignifica durante a projeção, indo de um símbolo de violência a um de poder das mulheres. A própria figura das Viúvas (que se assemelha a uma ampulheta vermelha) passa por um processo de ressignificação, de um símbolo de controle a um símbolo de luta.

Até mesmo famosos paradigmas machistas são desconstruídos, como o de que as mulheres disputam ao invés de se ajudarem. Em Viúva Negra, elas não apenas se unem em prol da libertação, como formam um poder descomunal que literalmente destrói toda a organização patriarcal construída para torná-las escravas dos desejos masculinos. É nessa exploração de temas essenciais para os dias atuais, fazendo parte e construindo pontes para debates, que reside a principal força do longa.

Resgate às origens de Natasha

Outro elemento bem desenvolvido pelo roteiro de Eric Pearson é o núcleo familiar de Natasha. O prólogo que abre o filme, mostrando a relação entre ela, sua irmã e seus “pais” Alexei (David Harbour) e Melina (Rachel Weisz) é tocante por mostrar, com cenas simples, mas fortes, a relação de amor e afeto construída por esses personagens. Méritos aqui para a diretora Cate Shortland, oriunda do cinema independente. Essas cenas parecem diretamente tiradas de um filme da competição oficial de Sundance, o que dá um ar mais autoral para esse início.

A cena de reencontro desses personagens é outra que brilha no filme. Todos em contextos diferentes de suas vidas trazem seus dramas para a mesa, abrindo espaço para Florence Pugh, intérprete de Yelena, brilhar. Todos, aliás, trazem seu melhor para esse momento, incluindo uma faceta mais humana de Alexei, com David Harbour dosando muito bem o humor trágico de seu personagem e a relação materna de Melina com Natasha e Yelena.

A irmã de Natasha, aliás, é talvez o maior acerto do filme. A atriz britânica incorpora uma Yelena irônica, questionadora e durona, mas que deixa o seu lado humano à mostra nas interações com Natasha. A química entre Pugh e Johansson é genuína, traz momentos divertidos e sentimentos honestos para o longa, sendo eles a terceira parte que compõe o coração da obra: o empoderamento, a família e a irmandade.

Por fim, mas não menos importante, as cenas de ação compõem o último bom elemento desenvolvido em Viúva Negra. De cortes rápidos, câmera na mão e uma boa coreografia, a grande maioria das cenas lembram Capitão América 2: O Soldado Invernal (também conhecido como o melhor filme da Marvel Studios) e também a franquia Bourne, não somente pelo estilo e mise-en-scène, mas por seu sentimento de visceralidade.

Subtramas pouco desenvolvidas: um problema recorrente em Viúva Negra

Mesmo com todas essas qualidades, a obra acaba caindo muito já na metade do segundo ato. Infelizmente, diversos elementos carecem de melhor desenvolvimento para serem explorados no clímax do terceiro ato. O roteiro apenas trafega verbalmente por alguns dramas relevantes para o enredo, sem mostrar de fato para o público ou construir minimamente para que haja impacto em algumas revelações. Dentre elas, a mais decepcionante, é a de quem é o Treinador.

Apesar da revelação fazer sentido, o impacto da cena é basicamente nulo. O personagem em si é utilizado apenas como um desafio físico para Natasha e Yelena, aparecendo em pouquíssimas cenas; cenas essas que sequer existem um desenvolvimento satisfatório da ação, com exceção do final.

Ainda que o mafioso Dreykov funcione enquanto símbolo, ele não funciona como um ser humano crível, pois o roteiro não vai além de linhas básicas de construção para ele. Até mesmos seus supostos atos terríveis não são explorados, apenas verbalizados por Natasha, deixando o espectador no escuro sobre como essa relação tóxica se construiu. A cena de embate entre os dois, aliás, é tão tosca quanto super expositiva. Até mesmo a família não tem uma boa dinâmica de ação, sendo jogada de lado e mal explorada durante o terceiro ato, principalmente Melina.

Todos esses elementos apontam para um roteiro desequilibrado e mal escrito de forma geral. É uma pena que a maior potencialidade de se escalar a diretora Cate Shortland seja jogada no mato, a de haver um drama mais intimista, pois pouco se vê da assinatura da diretora no projeto, apenas algumas cenas pontuais citadas neste texto.

Viúva Negra ou Capitão América?

Além disso, visualmente Viúva Negra é pouquíssimo inspirado. Uma paleta de cor cinzenta que remete (mais uma vez) a Capitão América 2: O Soldado Invernal é jogada na fotografia sem qualquer esmero. Poderia fazer sentido do ponto de vista narrativo, mas esse elemento nada acrescenta de fato ao drama ou à construção visual da obra.

Por falar em no segundo filme do Capitão América, outro elemento é copiado de lá: o porta aviões que desaba dos céus. Esse é mais um componente que parece ter sido apenas jogado dentro do roteiro sem qualquer criatividade. Da mesma forma, a menção à Missão Impossível com o uso de máscaras para causar surpresa é construída de forma básica e sem qualquer impacto. Por mais que o filme se esforce para parecer uma boa história de espionagem, ele não consegue atingir isso de forma satisfatória.

Para finalizar, a cena final de ação, buscando uma escala épica, acaba inundando a obra de um CGI de qualidade questionável. Por diversos momentos fui tirado da imersão por conta da quantidade absurda de elementos de efeitos visuais em tela, poucos deles parecendo críveis a meus olhos. A trilha musical que acompanha a ação nada tem de marcante ou diferente. A sensação que deu foi que a cena poderia ser encaixada em um filme de ação genérico de grande orçamento sem o mínimo de personalidade.

Importante em seus grandes temas, porém, desequilibrado em sua linguagem, Viúva Negra acaba por não ser o grande filme que se esperava de Natasha Romanoff no MCU. A personagem, por mais que agora lide com problemas seus e dirija a ação, nem sequer possui um arco melhor que o de sua irmã Yelena, a personagem mais interessante da obra. A sensação é a de que novamente houve uma falha com Natasha, que merecia algo da qualidade de Mulher Maravilha, apenas para citar um exemplo recente. Apesar disso, nem de longe é um filme descartável, muito pelo contrário.

O sucesso de Viúva Negra é o catalisador para que novas produções com personagens femininas em posição de protagonismo sejam realizadas na Marvel e que a diversidade reine cada vez mais no mundo nerd tóxico.

Nota: ★★✰✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Black Widow

Ano: 2021

Direção: Cate Shortland

Roteiro: Eric Pearson

Elenco: Scarlett Johansson, Florence Pugh, David Harbour, Rachel Weisz, Ray Winstone

Fotografia: Gabriel Beristein

Montagem: Leigh Folsom Boyd, Matthew Schmidt

 

Gostou? Siga e compartilhe!

Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

tiagoaraujo has 36 posts and counting.See all posts by tiagoaraujo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *