Duna | Nos Cinemas

 

Em 1965, foi lançado um dos romances mais influentes do século XX da literatura estadunidense: Duna, escrito por Frank Herbert. O livro não só impactou e revolucionou a ficção-científica, como também diversas outras formas de expressão artística, principalmente o cinema. Filmes como Alien – O 8º Passageiro e Star Wars foram diretamente ou indiretamente influenciados pela obra.

Desde seu lançamento, Duna teve duas tentativas de adaptação para a tela grande. A primeira, que nunca chegou aos cinemas, foi um projeto ambicioso dirigido pelo chileno Alejandro Jodorowsky, cuja pré-produção se tornou um evento mitológico na história do cinema, sendo relatada no ótimo documentário Duna de Jodorowsky, lançado em 2013. Já a segunda tentativa, essa sim chegou aos cinemas em 1984 pelas mãos de David Lynch, que infelizmente sofreu com vários problemas na produção e com a interferência do estúdio. O resultado foi um filme bem abaixo das expectativas em termos de qualidade e bilheteria. 

Duna

No entanto, quando anunciaram Denis Villeneuve como o responsável pela mais nova adaptação de Duna para os cinemas, vi um potencial enorme, já que é um diretor que transitou por diversos gêneros, trabalhando sempre de forma bem autêntica e valorizando a experiência. Villeneuve é um realizador que gosta de extrair as mais diversas emoções de seu público constantemente. Os trabalhos do cineasta levantam debates entre seus espectadores, não só sobre o filme ser bom ou ruim, mas também sobre atmosfera, desenvolvimento de personagem, narrativa, e por aí vai. É interessante, pois existe um nicho por parte da crítica especializada que reluta em aceitar que o grande público – ou público médio, como normalmente chamamos – pode sim discutir cinema. Mas isso é um assunto para um outro texto.

Em Duna, a trama se passa em um futuro longínquo. O Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) recebe a ordem imperial para sair de seu planeta Caladan e administrar o planeta desértico Arrakis, também conhecido como “Duna”, única fonte da rara substância “melange” usada pela guilda espacial como fonte de energia para fazer viagens interplanetárias. Para isso, ele, junto de seu filho Paul Atreides (Timothée Chalamet) – um jovem brilhante e talentoso que nasceu para ter um grande destino além de sua imaginação –, seus servos e concubina Lady Jessica (Rebecca Ferguson), vão para “Duna” a fim de garantir o futuro de sua família e de seu povo.

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Um dos primeiros pontos de grande destaque do longa é a sua atmosfera e como Villeneuve consegue criar uma experiência sensorial grandiosa, repleta de elementos que, em conjunto, transformam a nossa imersão em realidade. Por mais distante que seja, o universo de Duna é totalmente crível, principalmente quando ligamos os pontos de toda a trama política, já que, socialmente falando, vemos as situações abordadas no filme todos os dias. O diretor canadense extrai bem as críticas que o texto original de Frank Herbert apresenta ao debater sobre a elite que domina os principais recursos do mundo, o povo nativo oprimido e a eterna busca por poder. 

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Aqui, a música tem um papel fundamental para essa experiência ser completa. Inicialmente, Hans Zimmer começa mais minimalista, porém, quanto mais próximo Paul fica do deserto arrakino, mais a trilha vai se transformando e ficando mais intensa. E a partir disso, ela vai ganhando textura, peso e também vocais que lembram algo tribal, remetendo diretamente ao povo Fremen – os nativos do planeta Arrakis. Tudo detalhadamente pensado pelo compositor alemão com o objetivo de acrescentar ao desenvolvimento não só de Paul mas também de outros personagens da trama.

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Duna possui dois pontos distintos em relação aos seus coadjuvantes. O primeiro está em optar por explorar ao máximo aqueles personagens que vão ter uma importância imediata em relação ao crescimento de Paul. O que é obviamente compreensível, afinal, para além de toda a experiência imersiva, o filme tem que desenvolver de forma satisfatória o seu protagonista. Já o segundo ponto, personagens menos importantes para Paul acabam sendo deixados de lado, sem muita profundidade, inclusive faltando até uma motivação para o porquê de estarem tomando certas decisões.

Por um lado, é compreensível a escolha do diretor em confiar numa segunda parte da história para desenvolver esses personagens (no título que abre o filme aparece em destaque “Parte Um”), por outro, é sempre um risco deixar uma obra indefinida, especialmente para quem leu o livro, já que vão ver figuras tão boas e com potencial enorme ficarem de lado. 

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É importante notar que Villeneuve se preocupou muito com o didatismo do universo de Duna para o público que nunca leu a obra de Herbert, afinal, por mais que seja um grande livro e tenha muitos fãs, está longe de ter o mesmo alcance de Senhor dos Anéis ou Harry Potter. O diretor não poderia correr o risco de explicar de forma superficial a complexidade daquele universo, por isso, gosto de como ele pontua a diferença entre os planetas e quem são seus habitantes.

As pinceladas sobre os objetivos e a personalidade do Imperador Padixá trazem uma curiosidade e também uma expectativa para com o personagem. Como abordar alguém tão grandioso e com planos tão intricados sem mostrá-lo? É nesses detalhes que entendemos um pouco mais da complexidade da relação e dinâmica entre cada uma das casas. Pequenas falas que definem o parentesco entre os Harkonnen e os Atreides, mudanças drásticas do rumo da história e toda aparição do Barão, auxiliam diretamente nesse entendimento. E mesmo ele sendo subaproveitado – pois, para mim, ele é um dos personagens mais fascinantes do livro –, o roteiro co-escrito por Denis Villeneuve encontrou meios que resumissem toda a profundidade do vilão sem que ele perdesse sua grandiosidade que pode vir a ser mais explorada em uma sequência.

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Tecnicamente, Duna é perfeito. A experiência sonora unida aos efeitos visuais é absurda, especialmente os vermes gigantes, que são imponentes e têm uma presença de tela misteriosa e amedrontadora. O que é até engraçado, já que são criaturas 100% digitais e ainda assim possuem um impacto tão significativo para o espectador. Isso claramente se dá pela decisão do diretor em não revelá-las de forma exagerada, optando por manter a atenção do público nas areias do deserto, lembrando que elas estão sempre por perto.

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O filme também traz algumas metáforas que são exploradas de relance, como, por exemplo, o símbolo dos Atreides, que representa a força e a fraqueza da família em um mesmo animal. A partir disso, cria-se toda uma discussão em relação ao que é a crença no mito e no próprio potencial e o que é ego e arrogância em Paul, que possui um pouco de cada um desses elementos, mas por ser uma única criatura, somente ele consegue fazer todos coexistirem em uma mesma personalidade. Isso engrandece o protagonista.

Lady Jessica é um dos personagens que mais recebe destaque no filme, sendo tão importante quanto o protagonista. Destaque para a sincronia dos dois, que é belíssima. É uma figura que luta constantemente contra o medo, e a dúvida que paira sobre ela é angustiante. Sentimos muito a carga que Lady Jessica carrega e acabamos por entender a posição extremamente difícil em que ela se encontra. E isso se dá em boa parte graças ao belíssimo trabalho de Rebecca Ferguson. Durante o longa, não vi a atriz ali, mas sim a mãe de Paul ganhando vida roubando a cena, principalmente pela sua introspecção.

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Da mesma forma, o diretor acerta nos momentos exatos de utilizar as visões e sonhos de Paul, criando um misticismo diante do personagem, além de praticamente esfregar na cara do público qual o destino daquele mundo e onde aquela trama que estamos acompanhando irá nos levar. Ficamos nos perguntando “Bom, já que agora sabemos o que vai acontecer, como ele vai nos imergir perante isso tudo?”. É uma brincadeira de suposição e certeza que Frank Herbert também fazia no livro. Porém, o autor ia mais além ao prometer grandiosidade e acabar entregando filosofia, subvertendo totalmente o clímax. O que nos deixa curiosos sobre a segunda parte é se Denis Villeneuve também terá a mesma coragem ou escolherá o caminho esperado de algo grandioso, visualmente impressionante, menos filosófico e introspectivo, ou um equilíbrio entre todos os lados. Só saberemos no futuro, caso saia uma sequência. 

No fim, Duna é uma puxada de ar para dentro dos pulmões, se preparando para o grande mergulho com um desenvolvimento de personagens de potencial enorme e o crescimento de uma trama poderosa. Só não é uma adaptação perfeita para o cinema porque um filme precisa de uma conclusão mesmo que uma continuação seja esperada. É importante ter um impacto final para o público. Contudo, entendo as escolhas do diretor em enfatizar que esse é apenas o começo da história.

Duna é mais um belo trabalho de Denis Villeneuve.

Nota: ★★★★✰

 

  • Confira também o nosso review especial sobre a primeira adaptação de Duna, dirigida por David Lynch. Basta clicar aqui.

 

Ficha Técnica

Título Original: Dune

Ano: 2021

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Jon Spaihts, Denis Villeneuve, Eric Roth

Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Dave Bautista, Stephen McKinley Henderson, Zendaya, Chang Chen, Sharon Duncan-Brewster, Charlotte Rampling, Jason Momoa, Javier Bardem

Fotografia: Greig Fraser

Trilha Sonora: Hans Zimmer

Montagem: Joe Walker

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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