Belfast | Festival do Rio 2021

 

A história da Irlanda sempre foi marcada pela opressão e dominação britânica. Entre tentativas de independência sufocadas pela Coroa e constantes embates, em 1921, como medida provisória (a princípio), o país foi dividido. Enquanto o norte era governado a partir de Belfast e ficava parte do Reino Unido protestante, o sul era independente, majoritariamente católico e tinha seu governo sediado em Dublin. No entanto, a discriminação e a desigualdade sofridas pela população católica da Irlanda do Norte permaneceu.

No final dos anos 1960, eclodiram em Belfast conflitos de grande violência dos protestantes, que queriam preservar os laços com o Reino Unido, contra os católicos, que eram favoráveis à reunião com a Irlanda, predominantemente católica ou à independência do país da monarquia britânica. Esses confrontos armados duraram até o final dos anos 1990 e tiraram a vida de mais de 3.500 pessoas — incluindo civis, membros das forças se segurança britânica e membros de grupos paramilitares.

É nesse contexto instável e violento que Belfast, dirigido e escrito por Kenneth Branagh, a partir de recordações da própria infância, se passa. O filme acompanha a história de um menino de 9 anos chamado Buddy (Jude Hill), cuja vida é marcada por sua amorosa família, travessuras e o nascimento do primeiro amor. No entanto, com sua amada cidade envolvida em turbulências crescentes, seus familiares enfrentam uma escolha importante: torcer para que o conflito passe ou deixar tudo o que sabem para trás por uma nova vida.

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O filme se inicia com a mãe de Buddy chamando-o para entrar em casa. De pessoa em pessoa na rua, onde a família mora, o nome do menino vai passando até chegar nele, que brinca com outras crianças em uma viela próxima dali. Na brincadeira, ele segura a tampa de uma lixeira e uma espada de madeira, incorporando um cavaleiro que mata dragões. Assim que chega até ele o chamado de sua mãe, o menino vai caminhando de volta para casa, interagindo com diversos outros moradores.

Ali, Buddy é conhecido por todos e aproveita a infância da forma mais inocente e divertida possível. Porém, chegando já quase na sua porta, um grupo de pessoas adentra a rua e começa a ameaçar e aterrorizar os moradores com pedras e coquetéis molotov, quebrando diversas janelas e vidraças. Nesse momento, a câmera de Branagh circula o menino, mostrando a sua reação de confusão e medo face aquela situação toda. Há poucos momentos ele era um cavaleiro lutando contra dragões e a partir de agora o lúdico e infantil dá lugar a conturbada e violenta realidade do país. Seria o início do fim da inocência do menino?

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Contudo, esse questionamento que parecia ser o norte da trama se apequena, visto que, com o passar do filme, aquela tensão inicial vai perdendo espaço para as dinâmicas diárias da família de Buddy. Protestantes, eles não são vítimas da perseguição e violência instaurada a seus vizinhos católicos. Por conta de dividirem a mesma rua, acabam indiretamente afetados. A urgência do contexto vira nota de rodapé e só sabemos o que está havendo através de reportagens esporádicas na TV. Ou seja, o filme não é essencialmente político.

Para Branagh, o que interessa em Belfast é explorar as questões da família de Buddy e o que os levou a ter que decidir entre ficar na cidade que amam e estar no meio de um conflito que não é deles ou deixar tudo para trás em nome de uma nova vida, sabendo dos obstáculos que isso poderia trazer para eles como irlandeses. E para tal, ele insere pequenas situações divertidas envolvendo a família, as travessura de Buddy, pontuais discussões entre o pai e a mãe do menino, as tentativas do jovem de se aproximar da menina da escola que ele gosta (que é católica, por sinal), além das idas ao cinema em família e os filmes de faroeste na TV.

O problema é que essa neutralidade escolhida pelo diretor torna o filme extremamente convencional e simplifica demais a conjuntura da época no país. Temos a minoria católica perseguida, mas nunca explorada pelo longa e temos os opressores protestantes personificados na figura vilanizada do personagem Billy Clanton (Colin Morgan); e esse é o máximo que o filme faz. O fato de acompanharmos a visão de uma criança sobre o período pode ser argumentado como explicação para essa limitação, mas tomando o exemplo de outros filmes como Jojo Rabbit, que também é sobre amadurecimento em tempos sombrios, a urgência da situação não é esquecida — o que somente corrobora para a percepção da gravidade do que está acontecendo.

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Quanto aos personagens, todos que compõe a família do protagonista tem sua respectiva parcela de carisma e simpatia, porém, grande parte tem pouca ou nenhuma função na trama, como os avós de Buddy interpretados por Judi Dench e Ciarán Hinds. A mesma coisa acontece com o pai do menino interpretado por Jamie Dornan. Ainda que a motivação para a partida da família venha dele, não há muitas camadas no personagem. Ele é um pai de família que defende e faz tudo por eles e o roteiro até tenta colocar uma questão para o personagem em relação a se posicionar no conflito, mas é muito mal explorado, servindo apenas como escada para uma cena de heroísmo dele.

No entanto, ainda bem que existe Catríona Balfe interpretando a mãe do protagonista. Sua personagem é a que precisa enfrentar mais dilemas e a que tem mais a oferecer. Assim como seu filho, ela está dividida entre ficar e partir. Ela ama aquele lugar e também as pessoas a sua volta. Seu medo de ir para um lugar novo na Inglaterra em que podem não ser aceitos é palpável. Ao mesmo tempo, a conjuntura de Belfast está cada vez pior e ela teme pela segurança da família. Aqui, Balfe rouba a cena e representa o componente emotivo da família.

Já Jude Hill é um achado. Buddy é interpretado de forma simplesmente irresistível, uma graça de criança. A inocência do personagem sobre a conjuntura complexa do momento garante momentos graciosos. Impossível não se encantar por ele.

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Belfast é um filme sobre família, amadurecimento e pertencimento. Porém, ao se isentar de ser político, é o típico projeto inofensivo que quer agradar a gregos e troianos, feito sob medida para não polemizar. E ainda que tenha seus momentos de doçura, ótimas atuações de Balfe e Hill, além de um carinho enorme de Branagh por seus personagens, é muito convencional. Fica impossível ignorar a sua abordagem simplista. Ela esvazia a urgência e gravidade presentes em um conflito que até hoje, mesmo em menor escala, ainda está presente no país.

O filme tem previsão de estreia no Brasil para fevereiro de 2022.

Nota: ★★★✰✰

 

Saiba mais sobre os conflitos entre protestantes e católicos na Irlanda:
  • 1968: Início da guerra civil na Irlanda do Norte“, de DW, 2012. Leia aqui.

 

Ficha Técnica

Título Original: Belfast

Ano: 2021

Direção: Kenneth Branagh

Roteiro: Kenneth Branagh

Elenco: Caitríona Balfe, Judi Dench, Jamie Dornan, Ciarán Hinds, Colin Morgan, Jude Hill

Fotografia: Haris Zambarloukos

Montagem: Úna Ní Dhonghaíle

Trilha Sonora: Van Morrison

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Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

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