Spencer | Nos Cinemas

 

Atenção, esse texto pode conter spoilers. Leia por sua conta e risco!

 

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Diana Frances Spencer, ou Diana, Princesa de Gales, foi uma das figuras mais fascinantes e trágicas do anos 1980 e 1990. Após se casar com o herdeiro da Coroa Britânica, Charles, Príncipe de Gales, ela entrou para a Família Real. Vivaz, de espírito livre e muito carismática, a personalidade de Diana ia de choque à conhecida frieza e distanciamento da família de seu marido. Como resultado, ela passou a sofrer com as sufocantes obrigações, protocolos e tradições da realeza, além do assédio constante da imprensa sensacionalista — na época, Lady Di era a pessoa mais fotografada do mundo.

Spencer acompanha um fim de semana crucial na vida de Diana (Kristen Stewart) no início dos anos 1990 em que ela percebe que seu casamento com o príncipe Charles não estava dando certo e que precisaria se desviar do caminho que a colocava na linha para ser, um dia, rainha.

Spencer

Dirigido por Pablo Larraín (No), a obra, de forma semelhante como feito em Jackieonde o diretor utilizou o mito de Camelot como metáfora para a história da viúva de John F. Kennedy —, vai buscar no paralelo entre a figura de Ana Bolena e de Diana o caminho para falar sobre coragem e resiliência para se libertar das nossas próprias prisões e das prisões que os outros insistem em nos colocar. Indo além de seus finais trágicos, ambas sofreram com as expectativas impostas pela realeza para com elas, assim como resistiram e foram contra o establishment real.

Curiosamente, um dos ancestrais da família Spencer era descendente de Maria Bolena, irmã de Ana. Inclusive, a segunda esposa do rei Henrique VIII surge como um fantasma que acompanha a princesa e, em certo momento do filme, as duas se transformam em uma só.

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Visando reforçar a angústia da protagonista em uma atmosfera tão sufocante, na qual somos testemunhas da obsessão da Coroa com a sua própria tradição e rigidez protocolar, além da disposição em esmagar qualquer possibilidade de resistência ao status quo, o realizador chileno transforma Spencer quase que em um filme de horror.

E auxiliado pela fotografia impecável a cargo de Claire Mathon, elementos como a névoa que cobre a casa de campo onde se passa a história, o ar soturno e o frio dão o tom para a ambientação claustrofóbica e de grande tensão do local. Isso fica claro, por exemplo, em uma das melhores cenas do filme que se passa no jantar que acontece na véspera do Natal.

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Nela, Diana chega ao salão atrasada, cumprimenta a Rainha e se senta à mesa. Logo recebe um olhar fulminante de Charles. Após Elizabeth ser a primeira a tomar o creme que acabara de ser servido, o restante das pessoas a acompanha. Diana, antes de comer, olha para a Rainha, que a encara com total frieza e com um olhar igualmente fulminante como o do filho. Aos poucos, a princesa vai demonstrando inquietação e ansiedade e seu colar (fazendo alusão a uma coleira) começa a incomodá-la.

Numa tentativa de se libertar do objeto em seu pescoço, ela o arranca e as pérolas caem no prato à sua frente. Em seguida, de forma desesperada, ela começa a engolir com o creme pérola por pérola. Tudo isso com a trilha sonora absurdamente tensa e desconfortável composta por Jonny Greenwood ao fundo. Logo depois, a câmera de Larraín segue Diana andando e gemendo de dor em um corredor, se escorando nos móveis laterais. A cena termina com ela vomitando no vaso do banheiro, momento em que a música subitamente para. Uma sequência de pura tensão e horror.

Outro elemento retratado de forma assustadora é a casa onde Diana cresceu, localizada ao lado da residência real. Lá, tudo está abandonado, repleto de poeira e com a madeira apodrecendo. No entanto, a princesa está sempre buscando voltar àquele lugar, numa tentativa de sentir novamente a liberdade que teve na infância.

É um espaço simbólico, repleto de lembranças de um passado caloroso que agora contrasta com a condição atual da casa, totalmente esquecida e proibida de ser acessada.

Contudo, o grande destaque de Spencer é o trabalho brilhante de Kristen Stewart na pele de Diana. A atriz, que ao ter seu nome anunciado como intérprete da protagonista, levantou muitas desconfianças sobre qual seria o resultado, mas provou o quão excepcional é. Se alguém tinha dúvidas do talento dela, esse filme põe à terra qualquer uma delas. Aqui, Stewart incorpora o estado mental em frangalhos de Diana, expressando todo seu caos psicológico.

A alma torturada e angustiada da Princesa de Gales ganha vida através da potência e entrega da atriz. Para além do esperado sotaque, tom de voz e trejeitos, Kristen incorpora aquela figura em toda sua dor, mas igualmente na sua coragem, trazendo humanidade e muita verdade ao sofrimento de Diana. E quando ela se liberta, o alívio que toma a protagonista inunda a tela e toma o espectador por completo.

Liderado por uma atuação inesquecível de Kristen Stewart, acompanhado pela trilha sonora desconfortante de Greenwood e uma fotografia propositalmente enevoada responsável pelo tom soturno do filme, Spencer de Pablo Larraín é um longa diferenciado.

Ao optar por uma abordagem mais voltada para o horror psicológico e que aproxima a imagem de Diana à de Ana Bolena, o diretor discute sobre tradição, coragem e resiliência. Para tal, da mesma forma que a Princesa de Gales se libertou das convenções e obrigações que a Coroa impunha sobre ela, o longa foge do que se espera de uma cinebiografia.

E ao sair da forma, Spencer simplesmente se permite.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Título Original: Spencer

Ano: 2021

Direção: Pablo Larraín

Roteiro: Steven Knight

Elenco: Kristen Stewart, Timothy Spall, Jack Farthing, Sean Harris, Sally Hawkins

Fotografia: Claire Mathon

Montagem: Sebastián Sepúlveda

Trilha Sonora: Jonny Greenwood

 

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Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

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