Nos Cinemas | Frozen II

Em 2013, a Disney lançou Frozen: Uma Aventura Congelante, uma animação que mudou pra sempre a maneira como as princesas do estúdio eram desenvolvidas. A história, afinal, não era sobre uma princesa que era salva por um príncipe que lhe daria o beijo do amor verdadeiro, mas sim uma história de auto descoberta e de amor entre duas irmãs. O filme foi um grande sucesso de bilheteria, emplacando duas estatuetas douradas na cerimônia do Oscar e a grudenta canção Let it Go nas paradas e mostrando, acima de tudo, que representatividade vende sim — diferentemente do bizarro slogan “Quem lacra não lucra” espalhado nas redes sociais.

A continuação, Frozen II, chega agora aos cinemas carregada de expectativa. Chris Buck e Jennifer Lee retornam à direção contando, em essência, uma história bem semelhante ao do primeiro filme. Agora, Elsa escuta um chamado distante e deve perseguir o seu caminho para descobrir como surgiu e o que ela representa para seu povo, enquanto busca, junto de seus amigos, salvar a floresta encantada, um local cheio de mistérios e envolvido por um passado sombrio. O principal tema do enredo é, novamente, a autodescoberta, mas agora existe uma preocupação maior em desenvolver uma mitologia para a franquia.

A mitologia é, aliás, a maior qualidade do segundo capítulo. O envolvimento que Elsa possui com a magia é explorado através de inspirados números musicais capazes de gerar grande catarse coletiva por meio de seus visuais arrojados e de seu conteúdo emocional. Um outro elemento que torna esses musicais tão especiais é também um que acompanha a protagonista como um fantasma, a memória.

É a partir dela que se compreende grande parte da trama, servindo também como um componente importante de conflito interno da protagonista e dos demais personagens envoltos pela sombria floresta. Esse novo tema é complexo e um tanto quanto adulto, mas os diretores fazem questão de suavizá-lo e de reiterar a sua existência para o público com o boneco de neve Olaf, repetindo quase que um mantra durante toda a projeção, que diz: “A água tem memória”.

Além disso, Frozen II ainda possui mais uma importante camada temática, a de como dois povos diferentes podem construir juntos uma ponte de harmonia entre si. A grande barreira mágica que separa a floresta encantada do restante do reino de Arendel é um simbolismo muito claro, um sinal de um certo muro que um certo presidente de um certo país queria construir entre duas nações.

Elsa, nesse sentido, é uma heroína que busca, acima de tudo, desconstruir essa barreira e preservar uma humanidade que pouco a pouco se extingue e o caminho para isso é união entre os povos, uma ponte. Essa mensagem, em tempos de conflitos extremos que podem gerar guerras e dizimar milhões, é importante para as crianças e também para uma reflexão humana de para onde o nosso mundo está se dirigindo. O filme estreou no Brasil no momento certo.

Algo que é importante citar é como a animação volta a ironizar o romance exagerado de outrora. Em uma sequência mais do que brilhante, um dos personagens masculinos canta suas mágoas de maneira propositalmente brega, lembrando um clipe dos anos 90 dos Backstreet Boys, além de haver referências até mesmo a Bohemian Rhapsody, da banda britânica Queen. Essa é a prova definitiva do novo rumo das princesas Disney, que não possuem o foco em príncipes encantados, mas sim em questionamentos internos e diversos outros conflitos.

Os diretores Chris Buck e Jennifer Lee comandam bem a animação, sempre explorando a grandiosidade de seus números musicais com câmeras bem abertas e diversas partículas se movimentando no espaço 3D. Como assim partículas? Se você assistiu ao filme, certamente lembra de uma cena musical em que diversos desenhos vão aparecendo em tela e Elsa cria, de forma repentina, vários cristais de gelo que se espalham pelo espaço. Isso é pensado para que o 3D ganhe um certo nível de profundidade, criando a ilusão de que esses cristais ganham vida para além da tela.

Lee e Buck, além de explorarem bem os dramas de cada personagem em diversas passagens, também são capazes de mudar drasticamente o feeling de uma cena, de algo empoderado para algo triste e amedrontador. Os cineastas flertam com o sombrio diversas vezes, utilizando perfis de cores mais cinzas e trazendo à tona a tragédia enquanto elemento reinante da narrativa. Contudo, não pensem que Frozen II é um filme da DC, pois os diretores sempre trazem piadas, números musicais e animais fofinhos para aliviar essa atmosfera.

O problema é que isso nem sempre funciona de maneira orgânica e a trama parece flutuar entre tons distintos por boa parte de seu andamento. As piadas chegam também sem o timing perfeito, existindo pelo menos um grande número musical absolutamente desnecessário, feito apenas para aliviar um pouco a atmosfera e até seres monstruosos se revelam fofinhos, criados exclusivamente pra vender bonequinhos.

Se tem um personagem que tenho um grande problema nesse filme é Olaf, o boneco de neve. Apesar de ser responsável pela maioria dos alívios cômicos, há uma tentativa de dar alguma profundidade a ele, fato que sai muito pela culatra por ser bem diferente do perfil do personagem. Seu carisma é, muitas vezes, utilizado a exaustão, o tornando meio insuportável em algumas situações. O pequeno boneco é usado como um recurso narrativo para que os diretores possam dizer com todas as letras: “Ei, isso é um filme infantil. Lembrem-se”.

O último, mas não menos importante, problema que tenho com a nova animação da Disney é o fato dele se parecer bastante com o universo Marvel, onde tenta “abraçar” certos destinos sombrios, mas que (no fim das contas) não tem a coragem necessária para isso. Seria fácil de explicar o porquê de ele ser assim, afinal é infantil e não precisa ir muito longe. O problema é que isso frustra cada vez mais, já que fica difícil de acreditar nos dispositivos dramáticos que os filmes da Disney (uma empresa abertamente “família”) utilizarão daqui em diante.

Se não é perfeito, Frozen II é divertido, visualmente impactante, bem dirigido ao ponto de trazer algumas lágrimas e possui vários inspirados momentos musicais, além de trazer relevantes questões para o mundo moderno sem parecer panfletário. Certamente satisfará audiências ao redor do mundo porque alcança o nível de qualidade exigido de uma continuação tão esperada e é, sem sombra de dúvida, um dos principais candidatos na categoria de animação do Oscar 2020. As princesas vivem mais independentes do que nunca. E poderosas também.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica

Título Original: Frozen 2

Direção: Chris Buck e Jennifer Lee

Roteiro: Jennifer Lee

Elenco: Kristen Bell, Idina Menzel, Josh Gad, Jonatan Groff, Sterling K.Brown, Evan Rachel Wood, Alfred Molina

Música: Christophe Beck

Montagem: Jeff Draheim

Design de Produção: Michael Glaimo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

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