Nos Cinemas | 1917

 

Vejo a Grande Guerra como um relato de horror e intimismo, como se todos os homens que participaram deste sanguinário evento fossem diretamente ao inferno, envoltos ao medo constante. O que torna tudo isso um horror e ao mesmo tempo fascinante, é acompanhar relatos do quanto este terror era constante nas feições dos soldados, o quanto tinham que suportar uma luta que não era deles.

O que Sam Mendes tenta em sua obra, 1917, envolve dois pontos importantíssimos: um deles é a tentativa de introspecção em relação a seus personagens, criando todo um clima mais intimista; a segunda era mostrar como aquela situação era terrível, o quanto aquele evento transformava vidas em cinzas. O problema é que essas duas escolhas narrativas se chocam de forma errada — uma acaba anulando a outra em diversos momentos da obra.

Gosto muito da escolha de Mendes em utilizar um longo plano sequência no primeiro ato do filme: faz total sentido explorar as trincheiras e a chamada “terra de ninguém”, mostra bem toda a sensação degradante e claustrofóbica que aqueles homens passaram vivendo naquela situação, explora os horrores que tanto atormentaram os que relataram os eventos e criam uma imersão interessante, fazendo com que nós compremos a ideia.

Mas isso entra em choque com a segunda ideia aplicada pelo diretor, de explorar intimamente seus personagens. O filme fica intercalando a todo momento entre desenvolver essa profundidade de seus protagonistas e explorar visualmente os campos de batalha. Isso principalmente a partir do segundo ato da obra, onde o plano sequência não faz mais sentido narrativamente, já que acaba perdendo todo o efeito imediato ao público que não se vê mais preso a William (George MacKay) dentro das terríveis trincheiras, ou na devastada “terra de ninguém”.

Me vi totalmente fora do filme quando Mendes força um desenvolvimento nada natural ao fazer com que William se refugie em uma casa onde encontra-se com uma francesa em meio a uma cidade devastada. Aquilo não engrandece o personagem, toma tempo de tela e acaba sendo uma facilidade do roteiro para guiá-lo a seu destino, algo justo quando se faz sentida a presença deste personagem “coringa” em cena.

É redundante falar sobre o brilhantismo de Roger Deakins, ele que ganhou seu merecidíssimo Oscar pelo primoroso trabalho em Blade Runner 2049, produz cenas brilhantes aqui, explorando o fogo em meio à escuridão, criando um ambiente hostil e um clima de morte com a fotografia pálida, durante o dia. As escolhas de Deakins engrandecem a situação, exploram o medo, criam um horror que por mais que seja impossível simular o real, dá uma sensação de estarmos na mesma linha do que já nos foi relatado sobre a guerra.

Falta a Mendes um foco maior. Durante os 120 minutos da obra, ele se mantém disperso em boa parte da metragem, principalmente a partir do segundo ato, nos mostrando um caminho promissor durante toda a primeira parte, nos fazendo criar vínculos com os protagonistas, explorando suas personalidades. Ele já nos mostrou que sabe explorar vínculos entre personagens e seus medos, assim como criou todo um excelente arco mais intimista em Skyfall com seu James Bond, algo que não é nada fácil, vindo de um personagem que já foi abordado de diversas maneiras. Mas acaba se sabotando ao seguir por um caminho mais megalomaníaco e menos intimista, mostrando que o seu principal foco não era contar uma história, mas sim exercitar suas técnicas.

Nota: ★★★✰✰

 

 

 

 

Ficha Técnica

Direção: Sam Mendes

Roteiro: Sam Mendes e Krysty Wilson-Cairns

Elenco: Dean-Charles Chapman, George MacKay, Daniel Mays, Colin Firth, Mark Strong, Benedict Cumberbatch, Pip Carter, Andy Apollo

Fotografia: Roger Deakins

Música:Thomas Newman

Montagem: Lee Smith

Figurino: David Crossman e Jacqueline Durran

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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