Bang Bang | O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford

 

Texto por: Ítalo Passos e Jonatas Rueda.

Já houve um período em que os filmes de faroeste dominavam as telas do cinema, mas, hoje em dia, os longas do gênero estão cada vez mais escassos. Felizmente, temos algumas boas surpresas que, ainda ousadamente, desbravam essas ricas terras que um dia trouxeram tantas obras marcantes para o mundo da sétima arte.

E O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford é um desses exemplos que não vive apenas da nostalgia, mas que também compreende o significado dos westerns, consequentemente se tornando um dos melhores exemplos das últimas décadas.

Andrew Dominik não tem pressa alguma para avançar a trama e, com uma notória destreza, gradualmente destrincha os personagens que vagam pelo medo, inveja e desconfiança. Apesar da construção do roteiro ser bastante simplória em sua estrutura (com até um narrador que pontualmente conta partes da história), o filme, dentro do próprio gênero, está mais preocupado em desmistificar a figura icônica do personagem principal e aprofundar os dramas vividos das situações, — que, simplesmente, exibir cenas magníficas de tiroteios desenfreados usualmente presentes dentro do contexto em que está inserido.

Diferentemente da maioria, os realizadores não possuem qualquer receio em revelar o spoiler contido no título porque estão completamente focados nos atos que precedem o momento-chave, uma vez que se torna recompensador vermos diálogos que revelam, aqui e ali, o que futuramente iria ocorrer.

É interessante presenciar, por exemplo, Ford analisar todos os movimentos e peculiaridades do fora-da-lei, como também o diálogo “você quer ser como eu ou quer ser eu?“, fechando brilhantemente o arco com o fato de ter que usar seus dotes artísticos de interpretação para reproduzir o ato que o tornou famoso.

As atuações do elenco inteiro são bastante humanas (já que poderiam cair na armadilha de interpretarem caricaturas com um material que lida com figuras amplamente conhecidas do faroeste), fortalecendo e exaltando o que vemos em tela.

Porém, os destaques residem — inegavelmente — em Brad Pitt e Casey Affleck. Se o primeiro (vencedor do prêmio de melhor ator no festival de Veneza) exterioriza um aspecto misterioso e taciturno, que gera momentos de tensão; o segundo (que foi indicado a melhor ator coadjuvante no Oscar e no Sindicato dos Atores) rouba praticamente o filme para si.

A voz rouca de Affleck serve perfeitamente para retratar a fragilidade do irmão Ford mais novo, que tem uma obsessão e admiração pelo protagonista e, ainda assim, sua atuação é tão rica que adiciona uma camada sutilmente homossexual devido aos olhares repletos de desejos (que não são correspondidos, mas que o narrador faz questão de apontar que possuíam uma conexão íntima através desses olhares e, ao mesmo tempo, deixava o antagonista receoso por ter a sensação de estar sendo estudado) direcionados a Jesse James. Como também uma postura afeminada, que é ressaltada e precisamente evidenciada na forma como se comporta no jantar e no jeito em que maneja uma arma.

Jesse James

Jesse James

Em quase sua totalidade, vemos Ford com um caráter que flerta com o infantil — seu choro ao presenciar seu irmão e outro membro da gangue vasculharem seus pertences é sintomático. Contudo, o final é nada menos que o oposto, já que vemos um personagem angustiado e amaldiçoado pelo seu notório feito. E se o mesmo adquire a fama instantânea, chega a ser uma cruel ironia que o bandido continue sendo lembrado e mencionado nas páginas da história e seu assassino majoritariamente esquecido.

Mesmo com a situação deplorável em que vivia em seus últimos anos, o espectador simpatiza pela dor da figura de Robert Ford justamente por todos os adjetivos já mencionados, mas também por se mostrar claramente arrependido pelo ato hediondo cometido — e não é por acaso que o único momento em que a tela é invadida por uma música melancólica é quando o narrador descreve o dia da sua morte e também todo o segmento que revela seus sentimentos em relação ao que fez.

A incrível fotografia de Roger Deakins (indicado ao Oscar pelo trabalho) é um dos elementos essenciais de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford por conseguir transportar a plateia para o século 19 com longos planos abertos que valorizam o cenário e situam de maneira constante os personagens de costas e cobertos pela sombra, mas que também impõe um viés onírico diversas vezes, quando coloca a imagem numa perspectiva de lente de vidro (assim, o que se visualiza é levemente distorcido e embaçado, emulando uma câmera da época), dando a sensação de que estamos diante de uma lenda viva — mesmo que o diretor o coloque em situações que o revelam cansado, solitário (sua relação com o irmão é praticamente inexistente e, apesar do amor pela mulher e filhos, raramente o vemos em belos momentos que envolvam os três), desconfiado e, principalmente, vulnerável.

Jesse James

Sabendo que não se trata de mais um filme comum que explora o Velho Oeste, a paleta de cores é extremamente pálida (em determinadas cenas, vemos a neve, a geada e o bafo expelido das bocas dos personagens por causa do frio intenso) e quase sem vida. Não vemos desertos, poeira rolando sobre o chão quente ou clássicas cenas que envolvam um duelo entre mocinho e vilão.

Além de toda sua atipicidade, até a cor laranja (a mais comum dentro do gênero) ganha características amenas, que são vistas nos fogos que iluminam os sombrios recintos e na própria luz solar — com isso, a subversão não só da utilização dessa determinada cor é consolidada, como também o decidido afastamento em relação a muitos outros elementos típicos.

Jesse James

Como se não bastasse, temos, também, um competente trabalho de figurino, que faz com que os personagens sejam revelados pela frequente cor preta em seus trajes e acessórios, que ganha um apoio com uma trilha sonora essencialmente fúnebre.

Sendo assim, fica clara a intenção do diretor e roteirista de passar a sensação de que qualquer um daqueles indivíduos possa morrer a qualquer momento, quase como se esperassem pela visita da própria figura metafórica da morte.

Jesse James

O que fica é uma coragem do estúdio e dos produtores pela ousadia de criar uma obra preocupada em desenvolver seus personagens com os mais diversos sentimentos em pleno século 21.

E é por isso que precisamos de pessoas assim para dar vida a filmes com esse nível de excelência: exatamente para nutrir o amor incondicional não só do western, mas do cinema como um todo.

Nota: ★★★★★

 

 

Ficha técnica


Título Original: The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford

Ano: 2007

Direção: Andrew Dominik

Roteiro: Andrew Dominik

Elenco: Brad Pitt, Mary-Louise Parker, Casey Affleck, Sam Rockwell, Jeremy Renner, Sam Shepard, Brooklynn Proulx, Garret Dillahunt, Paul Schneider

Fotografia: Roger Deakins

Trilha Sonora: Nick Cave, Warren Ellis

 

 

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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