Nos Cinemas | Sonic – O Filme

A Sega, em 1991, lançou o que seria um dos personagens mais amados pelos gamers: o ouriço azul Sonic. O game Sonic The Hedgehog era um plataforma 2D criativo, que trazia diversos elementos diferentes dos tradicionais, como a rapidez do protagonista, o que gerou um jogo dinâmico e que rivalizaria com jogos clássicos do principal personagem da Nintendo, o Mario.

Depois de vários jogos de sucesso do ouriço, a Sega veria o seu Mega Drive, principal videogame da empresa, morrer de forma gradativa. Sonic continuava a ser o principal mascote da companhia, ganhando jogos para diversas plataformas, muitos deles medíocres. Com vários erros e acertos durante os anos, seria um tanto quanto arriscado apostar em uma adaptação para o cinema do personagem, misturando técnicas em animação 3D com live-action.

Isso já gerou filmes grotescos como Alvin e os Esquilos. Depois do primeiro trailer então, em que a internet entrou em polvorosa com o design horrível do ouriço azul, a confiança no filme caiu vertiginosamente, até mesmo com os esforços de se modificar toda a parte visual do personagem em pouco tempo.

Apesar de toda a desconfiança e negatividade, o filme de Jeff Fowler é realmente bom. A premissa é bem simples: Sonic precisa fugir para a dimensão da Terra depois que algo terrível acontece com o seu mundo. O personagem vive tranquilamente, até que um acidente alerta o bizarro Dr. Robotnik (Jim Carrey), que então começa a perseguir o ouriço. Com a ajuda do amigo policial Tom Wachowvski (James Marsden), Sonic parte em uma jornada pela sobrevivência.

Apesar da simplicidade aparente, o roteiro de Patrick Casey e Josh Miller contém algumas camadas a mais, relativas à construção de bons conflitos internos para os personagens, assim como ótimas motivações. Sonic, por exemplo, é muito solitário. Isso nunca foi utilizado em qualquer outra mídia, sendo uma ideia original dos roteiristas e que dá nuances a um personagem infantil que, em qualquer outra circunstância, não as teria. Além disso, a boa conexão entre o protagonista e o humano Tom gera uma amizade que soa verdadeira, o que resulta em ótimas cenas, seja de comédia ou mesmo de drama, entre os dois.

Outro elemento de roteiro que funciona como uma luva é a construção da personalidade, tanto de Sonic, quanto do vilão Robotnik. O ouriço azul é nerd, lê quadrinhos, é apaixonado por filmes e baseball. Não só isso, mas seu jeito meio juvenil de se portar e uma inteligência acima da média cria um personagem único, mas não distante da realidade dos jovens do século XXI. O Dr. Robotnik de Jim Carrey, por sua vez, é um gênio da tecnologia que coloca sua loucura a serviço de ideais mesquinhos, egoístas e malignos, muito por conta de tragédias que ocorreram em seu passado, como o bullying. Esse background do vilão é explorado em diálogos extremamente sarcásticos e de um humor negro bem surpreendente.

Contudo, o cientista do mal é usado diversas vezes mais para arrancar risadas com seu jeito excêntrico do que para fazer um comentário acerca de assuntos sérios da juventude. Jim Carrey retorna ao auge do humor físico aqui, realizando várias palhaçadas daquelas que marcaram a sua carreira em filmes como Ace Ventura e O Máscara, mas, por incrível que pareça, ele atinge um equilíbrio interessante entre seu papel de vilão e de alívio cômico. Dá para comprar perfeitamente sua bizarra motivação por poder e sua perseguição incansável por Sonic.

Até mesmo os personagens humanos tem o seu espaço para brilhar. O policial Tom possui também o seu drama e seus questionamentos internos, ao lado da esposa Maddie (Tika Sumpter), que o roteiro não esquece ou deixa de lado em nenhum momento. Até mesmo alguns coadjuvantes inesperados são bem inseridos no enredo para causar bons momentos de humor, como é o caso de Rachel (Natasha Rothwell), irmã de Maddie, e dona de vários dos momentos mais engraçados da produção.

Já tendo citado uma atuação genuinamente engraçada de Jim Carrey, as piadas que o filme apresenta durante toda a projeção são, em sua maioria, muito bem escritas. Existem aquelas piadas que qualquer jovem consegue entender, mas também algumas piadas para o público mais velho, como uma referência infame a Velocidade Máxima, filme icônico de 1994 estrelando Keanu Reeves e Sandra Bullock. É claro que nem todas elas funcionam, muitas vezes dando uma sensação de que o roteiro força algumas delas, mas são uma minoria.

A direção de Jeff Fowler é suficientemente boa, pois ele consegue equilibrar cenas criativas de humor físico, drama, e uma ação rápida, dinâmica e estilosa. O diretor utiliza de referências como X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e Matrix para construir duas excelentes cenas de ação desacelerando o tempo, algo que tanto funciona dentro da narrativa proposta de mostrar um Sonic super poderoso, como em termos estilísticos é moderno e belo visualmente, além de divertido.

O cineasta, porém, não para por aí. Ele utiliza inteligentemente diversos elementos clássicos do primeiro jogo do Sonic lá de 91, os reconfigurando para a sua mise-èn-scene. Para quem não lembra, o game trazia os famigerados anéis como parte integrante da vida do protagonista. Se você sofresse algum dano, perdia os anéis. Em determinadas fases, o jogo também oferecia portais para fases bônus. Sabendo disso, Jeff Fowler utiliza os próprios anéis como portais, o que auxilia não só no enredo como objetos importantíssimos para a vida do protagonista (talvez não de forma tão imediata como no game), como também auxilia nas cenas de ação, que se tornam mais dinâmicas e permitem à montagem brincar de diferentes formas. Até mesmo os animaizinhos que Sonic libertava a cada fim de fase no videogame voltaram.

Todavia, nem tudo são flores. Como falei anteriormente, Sonic tem algumas piadas forçadas em seu roteiro. Além disso, o segundo ato não mantém, em termos de ritmo, uma consistência, o que pode ser considerado um problema leve de montagem. Isso acontece porque, enquanto o primeiro ato apresenta de maneira excelente os personagens e o terceiro oferece um clímax criativo e uma solução satisfatória, o segundo parece não saber como manter um bom equilíbrio entre desenvolvimento e ação. Por fim, tem pelo menos uma sequência de ação das três grandes do filme que é bem inferior às demais, simplesmente por não possuir uma direção tão inspirada quanto.

Surpreendente, Sonic – O Filme é um filme muito certinho, sólido em seus principais aspectos. Acerta muito em seus personagens, enredo, humor e ação, apesar de cometer alguns pequenos deslizes que de nada atrapalham a experiência de maneira geral. É um filme, sim, a ser celebrado, afinal trata-se de uma das adaptações com mais coração da indústria dos videogames para o cinema. Antes que eu termine esse texto, duas questões devem ser mencionadas: a primeira foi o belíssimo trabalho do time de efeitos visuais, que trabalharam dobrado para conseguir um design agradável para Sonic e também para que tudo ficasse suficientemente realista. A segunda é que a cena pós-créditos é excelente e aponta para um futuro brilhante para a franquia. Por favor, vão ao cinema. Esse universo merece mais filmes.

P.S: Ouvir aquela música clássica do jogo original da fase Green Hill foi de aquecer o meu coração.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica

Título Original: Sonic The Hedgehog

Direção: Jeff Fowler

Roteiro: Patrick Casey, Josh Miller

Elenco: Ben Schwartz, James Marsden, Jim Carrey, Tika Sumpter, Natasha Rothwell, Neal McDonough

Fotografia: Stephen F. Windon

Música: Junkie XL

Montagem: Debra Neil-Fisher, Stacey Schroeder

Figurino: Debra McGuire

Gostou? Siga e compartilhe!

Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

tiagoaraujo has 36 posts and counting.See all posts by tiagoaraujo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *