Sci-Fi | Contato
O que torna a ficção-científica tão fascinante é a facilidade do gênero em abordar diversos assuntos. Quase que um pouco de tudo pode ser discutido, sejam discussões sociais, política, caráter, a própria humanidade. E o que Carl Sagan escolheu falar em seu livro foi o eterno debate de “ciência vs. fé”. Robert Zemeckis, que ficou responsável por adaptar Contato do romance homônimo de Sagan, entendeu perfeitamente não só a essência das palavras do autor, mas também todo o significado do gênero.
Somos apresentados à protagonista Ellie (Jena Malone/Jodie Foster) ainda criança explorando o contato com outras pessoas via rádio, apoiada pelo pai a sempre tentar este contato cada vez mais longe. Com essas informações, Zemeckis já nos esclarece sobre a determinação de Ellie e o seu vinculo com o pai como grande apoiador, nos dá a base para que cresçamos juntos com a personagem.
Outro ponto narrativo interessante é logo na abertura do filme, com a câmera sobre a Terra e se afastando junto ao som de diversas transmissões de rádio; quanto mais longe, mais antigas as transmissões. Saindo de uma música de muito sucesso da época em que o filme foi lançado, até a abertura dos jogos de Berlin com o discurso de Hitler. Isso se torna uma ferramenta bem eficiente já que somando o título do filme, esta informação e entender o que Ellie faz já nos deixa por dentro do que a obra irá abordar. Sim, é tudo muito simples.
A ambiguidade entre ciência e religião é algo que o filme não empurra goela abaixo do público. Zemeckis permite com que cada um de nós tenha a própria leitura, nossa própria visão e conclusão daquilo, além de abrir uma aba para debates que sempre enriquecem o filme, aquilo mostra o quanto o diretor entendeu a ficção-científica. O diálogo, nos fazer discutir, abrir a mente para assuntos os quais você sempre julgou errado. Esse é o ponto principal para tornar uma obra marcante: não é buscar compreender tudo que o idealizador pôs em tela, mas sim discutir sobre aquilo e isso é feito de forma brilhante.
A ambiguidade se reflete em tela com Ellie e Palmer (Matthew McConaughey). Ela sendo cientista e ele um teólogo pode parecer uma dualidade clichê, mas a naturalidade e sincronia de McConaughey e Foster em tela é simplesmente cativante, suas visões diferentes não fazem com que ambos enxerguem o mundo de formas tão distintas. Isso fortalece a obra, e principalmente o “pós filme”.
Atiçar a curiosidade e principalmente fazer com que o público saia de sua zona de conforto é essencial para que uma obra de sci-fi seja bem sucedida, nada que seja perfeitamente padronizado em seu debate será benéfico, e isso Contato faz perfeitamente. Entender que a protagonista, mesmo sendo uma grande profissional, é subestimada por ser mulher, abre mais uma aba para discussão — e essa pode não ser a mais aprofundada na obra, mas é importante para vermos que é algo que acontece todos os dias.
O filme se mantém bem pé no chão, na medida do possível, mas como toda boa obra do gênero, existe o momento em que a imaginação dos idealizadores tem que se deixar levar, e no terceiro ato é isto que Zemeckis faz muito bem. Toda a viagem de Ellie para a estrela Veja me emociona de diversas formas, desde ver a personagem presenciando o inimaginável até o discurso sobre o quanto a humanidade se subestima. A mensagem que diz: “Vocês são uma espécie interessante, uma mistura peculiar. São capazes de sonhos tão lindos e pesadelos tão horríveis. Sentem-se tão perdidos, tão isolados, tão sozinhos, mas não estão sós. Em todas as nossas buscas, a única coisa que torna o vazio suportável é o encontro com os outros” é o reflexo de como Carl Sagan enxergava a humanidade. Nós não somos maus, não nascemos maus, somos seres que buscam conhecimento, desbravadores e que, como qualquer espécie, alguns se corrompem e acabam indo por um caminho não virtuoso. Isso me emociona por quebrar uma visão errônea da nossa espécie, que por muito tempo acreditei.
Contato entra na mesma prateleira de 2001, Solaris, Blade Runner, Metropolis, etc., principalmente por ser um filme do gênero que explora as fronteiras do desconhecido, mas que, apesar disso, a verdadeira discussão é, e sempre será, sobre a humanidade. Nós temos que continuar a nos entender para podermos aprimorar nosso espírito explorador. O universo é fascinante, assim como a humanidade.
Nota: ★★★★★
Ficha Técnica
Título Original: Contact
Ano: 1997
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: James V. Hart, Michael Goldenberg, Carl Sagan
Elenco: Jena Malone, Jodie Foster, David Morse, Matthew McConaughey, William Fichtner, Tom Skerritt
Fotografia: Don Burgess
Trilha Sonora: Alan Silvestri
Montagem: Arthur Schmidt
Figurino: Joanna Johnston