No Prime Video | Mau-Olhado (Evil Eye)

Em mais um capítulo da antologia de filmes de gênero feita pela produtora Blumhouse em parceria com a plataforma de streaming Prime Video, o tema abordado dessa vez é o trauma produzido pela violência contra a mulher, onde uma mãe supersticiosa tenta convencer sua filha de que seu novo namorado é a reencarnação do homem que tentou matá-la 30 anos antes. Assim, Mau-Olhado toma forma sob a sensação de que existe um elemento de loucura atravessando a vida dos personagens.

A jovem Pallavi (Sunita Mani) é constantemente pressionada por sua mãe, Usha (Sarita Choudhury), para se casar. Ela mora nos Estados Unidos enquanto seus pais residem em Deli, na Índia. Em vias de completar 29 anos, mais uma vez sua mãe a envia para um encontro às cegas com o intuito de solucionar a falta de namorado da filha. Porém, Pallavi conhece uma outra pessoa pela qual se apaixona: Sandeep (Omar Maskati), um homem encantador, rico e que demonstra muito carinho pela jovem. Ainda assim, apesar da filha ter encontrado um namorado, para Usha, existe algo de estranho acontecendo.

Em virtude de suas enxaquecas constantes, a mulher começa a ter flashbacks de quando fora ameaçada por um ex-namorado em sua juventude. Ao mesmo tempo, sua filha conhece esse novo rapaz e, para ela, tudo está relacionado. Por ser muito ligada a superstições ela chega a fazer o mapa astral do genro em busca de respostas para suas suspeitas. 

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Crenças x Realidade

O filme dos irmãos Elan Dassani e Rajeev Dassani não só trabalha as crenças pessoais e culturais como também os aspectos reais. A partir dessa característica de Usha, da distância física que existe entre ela e a filha e dos traumas vividos pela senhora trinta anos antes, a atmosfera de suspense de Mau-Olhado é desenvolvida. Ainda que demore para chegar ao clímax, o filme consegue transmitir para o espectador a sensação de dúvida presente na trama. 

Com o intuito de criar incertezas, muito pouco é revelado de quem realmente é Sandeep. A sensação que temos é a de que Usha está enlouquecendo. Em contrapartida, os elementos místicos afirmam que algo pode estar acontecendo. Isso se dá através da presença em cena de elementos como amuletos se rompendo, de memórias do passado da mãe que se assemelham ao presente e, explicitamente, de uma discussão sobre relações cármicas. 

Nesse sentido, mesmo sendo uma mulher independente que rompeu com características culturais de sua família, Pallavi não se encontra isenta de ser submetida a um problema real. E é por ter essa certeza que sua mãe busca protegê-la de um mal maior.

 
Deslocando o olhar: a violência de gênero em Mau-Olhado

A partir desse ponto o texto contém spoilers

Vamos deslocar um pouco nosso olhar dos elementos que compõem a cena e pensar no assunto que está sendo debatido. Podemos refletir sobre o quanto denúncias sobre assédio são ignoradas a partir da violência de gênero sofrida pela mãe de Pallavi. Obviamente que no filme existem outros elementos que criam e consolidam as motivações pelas quais filha e mãe não se comunicam bem, mas há sempre ali a ideia de que aquela mulher está louca de acreditar que o genro se comportará como seu ex. 

A princípio, o que temos de embasamento para suspeitar da mãe é o fato dela crer em vias alternativas de sabedoria. Posteriormente, somos apresentados ao seu passado de maneira mais completa, o que nos leva ao ponto de pensar que ela está realmente em um processo de enlouquecimento. Como resultado, temos a constante dúvida do quanto há de sobrenatural e do quanto há de traumas de longa data nas suposições de Usha.

O que Mau-Olhado está mostrando para o público é o medo constante de ser agredida. É uma mãe buscando ensinar para a filha que ela pode e deve sempre se resguardar de uma sociedade que ignora as várias violências que mulheres vêm sofrendo. O cinema de horror usa desse recurso para provocar seu principal efeito: medo. E não apenas o medo do monstro ou da aparição, mas também o medo das coisas reais. E, para mulheres, ser vítima de violência é uma realidade, infelizmente, constante. 

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E como o destino não falha, a mãe sempre esteve correta. Nesse momento, os diretores se utilizam de elementos gráficos mais comuns aos slashers como, por exemplo, um plano detalhe em uma faca ensanguentada ou o combate mocinha x vilão em um ambiente pequeno e com pouca mobilidade. Além disso, o desenvolver lento do filme que desemboca em um final agitado, ainda que breve, nos rememora o melhor dos thrillers com assassinos dos anos 1970/80. 

De maneira nada discreta ao fim do terceiro ato, há um momento muito maternal no qual Usha abraça Pallavi e a consola diante do medo da filha de que daquele homem possa voltar para atacar uma mulher da geração futura. O chamo de nada discreto porque abertamente a personagem diz diante da indagação da filha que “homens sempre irão existir”. Pode parecer uma maneira generalizada de falar dos homens, mas é apenas a constatação de que diante de uma sociedade que relativiza violências, a nossa segurança acaba sendo feita por meio da desconfiança. 

A marca que essa sequência final deve deixar é a de que a educação ainda é a melhor saída para encerrar os péssimos ciclos em que estamos presos. Uma prova disso, dentro do próprio filme, é o fato de Krishnan (Bernard White), pai da protagonista, viver um relacionamento de amor e respeito com sua esposa e filha. Um contraponto excelente ao carma que essas mulheres carregam. 

Recomendo a leitura da crítica de O Homem Invisível, também produzido pela Blumhouse e lançado nos cinemas no início do ano. 

Nota: ★★★✰✰

 

Ficha Técnica

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Título Original: Evil Eye

Ano: 2020

Direção: Elan Dassani & Rajeev Dassani

Roteiro: Madhuri Shekar

Elenco: Sarita Choudhury, Sunita Mani, Bernard White, Omar Maskati

Fotografia: Yaron Levy

Montagem: Kristina Hamilton-Grobler  

Trilha Sonora: Ronit Kirchman

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Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, eterna estudante. Feita de mau humor, memes e pelos de gatos, ama zumbis, filmes do Tarantino e bacon. Devota da santíssima Trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch, sempre é corrompida por qualquer filme trash ou do Nicolas Cage.

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