No Prime Video | Noturno (Nocturne)

Noturno (Nocturne), novo filme da Blumhouse em parceria com a Amazon Studios, estreou recentemente no Prime Video. Na trama, Juliet (Sydney Sweeney), uma pianista esforçada, vê sua irmã virtuosa, Vivian (Madison Iseman), ganhando destaque, espaço em apresentações e uma vaga em uma famosa escola de música. Com inveja e remorso, Juliet acaba tomando um caminho maligno em busca do sucesso. 

Escrito e dirigido por Zu Quirke, o filme fala sobre a entrega pela perfeição, a ganância pelo estrelato e pelo reconhecimento da comunidade artística. Ele funciona bem nos moldes de Cisne Negro e outras obras de Darren Aronofsky que exploram a obsessão humana, estabelecendo os sentimentos negativos da protagonista afim de fazê-los dominarem seu julgamento e suas ações. 

O filme funciona dentro do modelo tradicional de drama que veio de Aristóteles, com os três atos narrativos, mas ele não deixa de flertar também com a tragédia grega. A personagem, extremamente errática em suas ações, parece já ter um destino pré-definido, construído por uma divindade motivada por uma mensagem moralista, um ensinamento de que o preço da perfeição é a autodestruição, respeite seus limites. 

O primeiro ato da trama é excelente, muito por conta da habilidade da roteirista e diretora em te mostrar tudo de maneira puramente simbólica, interpretativa e visual. Cada símbolo vai se conectando a vida de Juliet, transformando o roteiro em uma série de atos dramáticos que culminam em um ato final psicologicamente forte.

Já o segundo ato se perde em questões de caráter meramente funcionalista, mal construídas pelo roteiro. O texto também investe em certas revelações que somente servem a estender o debate sobre a busca pela perfeição, porém isso é realizado por meio de conversas que soam bem mais burocráticas e sem qualquer tipo de impacto, se compararmos com o estilo mais visual do primeiro ato. Já o desenlace serve aos propósitos moralistas da trama, então funciona dentro da proposta. 

Zu Quirke, além de roteirizar relativamente bem, soube como explorar seus símbolos de maneira impactante em seu trabalho de direção. A cena que abre o filme é de uma estranheza bela, etérea, que não traz necessariamente terror, mas sim, libertação. A figura do sol aqui tem múltiplos sentidos, pois ao mesmo tempo que pode significar o deslumbramento, o despertar da ganância, pode também simbolizar o paraíso, o descanso da alma. 

A diretora, junto de sua fotógrafa Carmen Cabana, satura as cores quando existe o contato com o sobrenatural, criando um signo claro e identificável, além de simbolizar a expansão dos sentidos da protagonista Juliet. As cores realizadas pela fotógrafa, certamente com um bom trabalho de colorização da equipe de pós-produção, lembram as da sequência de pesadelo em Um Corpo que Cai. 

Hitchcock volta a ser uma inspiração no primeiro contato de Juliet com a sala onde ocorre a primeira cena. Enquanto ela caminha pelo corredor estreito – que é dessa forma para aumentar a claustrofobia –, a cineasta usa o famoso efeito vertigo, brilhantemente utilizado pelo Mestre do Suspense, novamente, em Um Corpo que Cai. A técnica, que nada mais é do que a combinação de zoom e movimento de câmera, serve para causar a sensação de prisão, de medo.

Além de explorar bem a atmosfera de horror, a diretora também sabe como criar cenas que dizem muito sobre seus personagens. Como exemplo, cito uma breve cena em que a câmera faz um movimento para frente, um travelling frontal. Em quadro, estão dançarinos, passando uma certa alegria com seus movimentos corporais. Eles logo saem do quadro, dando espaço a irmã de Juliet, Vivian, com seu namorado, rindo e curtindo a apresentação. A protagonista surge ao fundo, bem no meio dos dois. O que isso significa? Juliet se vê no meio dos dois como uma renegada, derrotada, alguém que deveria estar ali no lugar da irmã. 

A cineasta utiliza a edição de som para conectar emoções de dois momentos distintos da trama de maneira simples. Mas como? Em um dado momento do longa, algo trágico acontece com um dos músicos, um violinista. Em uma das cenas seguintes em que uma personagem vislumbra o que pode ter acontecido, leves acordes de violino surgem ao fundo, fazendo uma ponte emocional entre os dois momentos. A edição de som também serve com o propósito de revelar uma presença maligna de maneira bem sutil, sem necessariamente te mostrar algo deliberadamente. 

Outro elemento bem utilizado pela diretora é o uso de espelhos. Muito utilizados em filmes da Nouvelle Vague pra demonstrar as diversas facetas da alma de um personagem (porque você acha que os vampiros não tem reflexo?), os espelhos aqui também servem a esse propósito, o de duplicar a forma como vemos Juliet demonstrando sua dualidade. A protagonista luta o filme inteiro para equilibrar o amor por sua irmã e sua moralidade, com a sua vontade de ser maior do que ela, sua inveja.  

Isso vem de encontro com o símbolo do olho, também muito utilizado no imaginário do cinema de horror (leia aqui o texto sobre o estilo de Sam Raimi em que comento sobre isso). Do ponto de vista de intenção, a realizadora sempre mostra os símbolos sobrenaturais dominando o olhar de Juliet, demonstrando visualmente que sua alma está sendo gradativamente dominada. Outro símbolo que vai na mesma pegada é o das mãos, que significa a virtuosidade da personagem, sua habilidade artística, sempre abalada pela busca perfeccionista.

A cineasta, infelizmente, não consegue encontrar bem o equilíbrio desses símbolos na narrativa, principalmente os sobrenaturais, que são mostrados a exaustão afim de te forçar a conectá-los com as ações da protagonista. Um pouco mais de mistério teria agregado à sutileza buscada, o que demonstra uma evidente falta de balanceamento. 

O novo lançamento do Prime Video é um filme de atmosfera competente e estrutura adequada, magnético por suas imagens bem construídas e simbologias interessantes, além de uma grande performance de Sydney Sweeney no papel principal, atriz de muito futuro. Se Zu Quirke apenas se importasse em criar essa narrativa de terror simbólico, de maneira equilibrada, desenvolvendo apenas as questões mais profundas da psique de seus personagens, Noturno (Nocturne) seria um filme brilhante. Pena que na busca pelo diálogo verbal e nas desajeitadas situações do segundo ato a realizadora diminui a potencialidade de sua obra. 

Nota: ★★★✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Nocturne

Ano: 2020

Direção: Zu Quirke

Roteiro: Zu Quirke

Elenco: Sydney Sweeney, Madison Iseman, Jacques Colimon, Ivan Shaw, Julie Benz, Rodney To

Fotografia: Carmen Cabana

Trilha Sonora: Elisabeth Bernholz

Montagem: Andrew Drazek

Figurino: Christopher Oroza

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Tiago Araujo

Crítico e aluno de audiovisual, ama cinema desde os 5 anos de idade e não tem preconceito com qualquer gênero que seja da sétima arte. Assiste um pipocão com o mesmo afinco de um cult e considera Zack Snyder e Michael Bay deuses em formas humanas.

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