Persona | M. Night Shyamalan
Nascido na cidade de Mahé (na Índia) e filho de dois médicos (seu pai neurologista e sua mãe obstetra e ginecologista), Manoj Nelliyattu Shyamalan emigrou para os Estados Unidos com seis semanas de idade e cresceu em Penn Valley, no estado da Pensilvânia. Tendo estudado numa escola católica e também em uma escola anglicana ao longo de sua infância e adolescência, Shyamalan se formou na New York University Tisch School of the Arts. Quando criança, ganhou de presente uma câmera Super 8 e, a partir desse momento, passou a expressar seu desejo de ser tornar cineasta.
Como falado anteriormente, boa parte da sua educação ocorreu em escolas ligadas à igreja, seja católica ou anglicana. Esse fato certamente explica um tema recorrente de seus filmes: o ato de ter fé/acreditar. Ter crença em algo ou alguém é um fator determinante tanto em suas histórias, como também para a imersão do espectador ao assistir seus filmes.
Não é novidade para ninguém que a filmografia de Shyamalan é marcada por altos e baixos. De um início apoteótico e promissor com O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais, seguida de uma sucessão de fracassos de crítica e público com A Dama na Água, Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois da Terra, o diretor vem aos poucos buscando se redimir e voltar aos bons tempos em que seu nome ainda era sinônimo de admiração e sucesso. Para tal, ele passou a apostar em projetos com orçamentos e escala menores como A Visita e Fragmentado, além de Vidro, filme maior e mais ambicioso.
Ascensão
Em O Sexto Sentido, seu maior sucesso e mais conhecido longa, temos um menino que precisa lidar com um segredo assustador que ele tem medo de compartilhar com as pessoas porque sabe que não acreditariam nele. No entanto, o amor da sua mãe e todo vínculo criado com o personagem de Bruce Willis o permite se abrir e entender qual o seu propósito no meio de tudo aquilo.
Já no seu filme seguinte, Corpo Fechado, o diretor leva para as telas do cinema um filme de super-herói antes do subgênero virar o fenômeno que é hoje. Temos uma história de origem lançada no ano 2000, na beira do início de um novo milênio, em que temos um mundo obscuro com pessoas corrompidas e de onde surge a esperança vinda do ordinário personificada no personagem de Bruce Willis: um homem comum, infeliz e com sua família desmoronando.
Além disso, M. Night Shyamalan busca debater qual o nosso papel em um mundo que não nos entende e que não se sabe o que nos aguarda dali pra frente, justamente pela virada de século marcada por um futuro totalmente desconhecido. Aqui, mais uma vez, a fé é explorada pelo indiano através da ideia que para existir um super-herói a primeira coisa que precisa acontecer é que pessoas acreditem nisso, assim a esperança surgirá, do contrário, é loucura ou mentira. Corpo Fechado é um longa que foge totalmente do que filmes de super-herói são hoje ao ser mais um estudo psicológico do que a megalomania que se tornou comum em tantos exemplos que vemos todo ano.
Em Sinais, o diretor através de uma invasão alienígena hostil, aborda a importância de se acreditar e ter fé no poder da reconstrução após o trauma. E o simbolismo da água como elemento de purificação é um recurso poderoso usado por Shyamalan. Em seguida, no filme A Vila o indiano trata mais uma vez sobre o trauma e o sofrimento como elementos que nos levam ao isolamento, enxergado como solução para lidar com a perda e a dor. A crença em A Vila é vista pelo seu lado negativo, servindo como catalisador do medo, que se torna uma ferramenta de controle contra o que é desconhecido e considerado inseguro. No filme, o diretor defende que somente o amor pode nos tirar do nosso auto isolamento causado pelo pavor que sentimos do mundo nos fazer sofrer.
Queda
A partir de A Dama na Água, as coisas começaram a desandar. Sua fábula em defesa da importância da inocência e do poder da fantasia para nos mudar em contraponto aos horrores da guerra e maldades do mundo tem boas intenções, mas para funcionar precisa em primeiro lugar que o espectador compre tudo aquilo.
E aqui, M. Night Shyamalan dificulta muito a tarefa com um universo desinteressante e um desenvolvimento tão previsível que o diretor outrora conhecido pela sua habilidade em gerar tensão com muito pouco, falha em causar qualquer tipo de sentimento além de indiferença. Além disso, os sinais de que o ego do diretor estava saindo do controle surgem de forma clara ao “interpretar” (entre aspas porque seu trabalho como ator aqui é pautado em uma constante falta de expressão) um personagem escritor responsável por um livro que vai inspirar um futuro Presidente que mudará o mundo para melhor.
Após seu primeiro fracasso tanto de crítica quanto de bilheteria com A Dama na Água, Shyamalan foi ladeira abaixo. Primeiro com Fim dos Tempos, uma alegoria sobre a paranoia do terrorismo nos Estados Unidos com roupagem de filme B que não passa de uma sucessão de erros, situações que são pura vergonha alheia e tosquices (impossível não lembrar de Mark Wahlberg conversando com uma planta de plástico).
Em seguida veio O Último Mestre do Ar, sua primeira incursão em filmes direcionados ao público infanto-juvenil baseado no popular desenho da Nickelodeon Avatar: A Lenda de Aang. Um filme extremamente apressado que parece ter sido feito de má vontade, com personagens sem desenvolvimento algum e atuações vergonhosas. A oportunidade de explorar a riqueza e possibilidades do material original é desperdiçada num vai e vem repetitivo e em uma sucessão de equívocos. Nada, absolutamente nada, funciona nessa bomba.
Por fim, ele encerra essa trinca de pesadelos com Depois da Terra, filme produzido e protagonizado por Will Smith – que também escreveu o argumento do projeto – e seu filho Jaden Smith. Um projeto previsível, claramente concebido para servir de trampolim para o jovem ser alçado a estrela de filmes de ação. E, apesar de trazer um debate interessante sobre o medo, está mais para jogada de marketing do que qualquer outra coisa. Jaden está pavoroso e seu pai confundiu não sentir medo com não ter emoção alguma ao optar por uma atuação marcada por uma inexpressividade desnecessária. Além da história ser ruim, falta tensão e potência em Depois da Terra.
E redenção?
Com quatro manchas na filmografia difíceis de serem esquecidas, Shyamalan tenta voltar às origens com A Visita, um suspense com orçamento bem modesto de 5 milhões de dólares e que trouxe de volta sua conhecida virada final. No filme, o diretor voltou a mostrar sua habilidade de construir tensão, além de apostar em pequenas doses certeiras de humor. É um longa divertido e até assustador, que sinalizou o início da volta aos trilhos de Shyamalan.
Em seguida, surge Fragmentado, seu maior sucesso de crítica e bilheteria em mais de dez anos. Com orçamento de 9 milhões de dólares, o thriller psicológico tem como surpresa a sua ligação com o longa Corpo Fechado, servindo de sequência e também como filme de origem de outro super vilão parte desse universo compartilhado criado por Shyamalan.
Aqui, o diretor faz uma ponte com o que propôs em A Vila ao trazer outro personagem traumatizado, que dessa vez desenvolve outras personalidades com o intuito de se proteger da incompreensão e violência do mundo. A crença, tema tão trabalhado outrora pelo cineasta, retorna ao centro da narrativa ao abordar o surgimento de uma besta que libertará todas as outras mais de vinte personalidades que existem dentro do protagonista, marcado por um conflito entre a sua fragilidade física e psicológica e o surgimento de uma nova personalidade bestial com sede de vingança contra todos aqueles que o desacreditaram e humilharam.
A recepção positiva e os ótimos números de bilheteria de seu filme anterior deram sinal verde para M. Night Shyamalan começar a pensar no terceiro e último filme da trilogia iniciada com Corpo Fechado: Vidro. Trazendo de volta Bruce Willis, Samuel L. Jackson e James McAvoy, o longa busca debater a razão em contraponto à fé ao internar os três personagens em um hospital psiquiátrico sob o comando da Dra. Ellie Staple. Interpretada por Sarah Paulson, a psiquiatra especializada em delírios de grandeza trata pacientes convencidos de que são seres super-heróis e vai tentar provar de todo jeito que David Dunn, Elijah Price e Kevin Wendell Crumb não são sobre-humanos.
Vidro foi recebido de forma mista tanto pela crítica quanto pelo público, é expositivo demais ao ponto de ser redundante. Adiciona componentes desnecessárias à trama e subutiliza personagens que poderiam acrescentar muito ao enredo. Ainda assim, foi um sucesso de bilheteria e encerrou a trilogia de forma digna, ainda que sendo o filme mais fraco dos três.
A fé de M. Night Shyamalan
M. Night Shyamalan já foi um prodígio, uma decepção, um egocêntrico, um gênio, um injustiçado, entre outros adjetivos. De início foi aclamado e bem promissor, porém com o passar do tempo, tendo acostumando o público a esperar sempre plot twists surpreendentes, a partir do momento em que começou a apresentar filmes mais ambiciosos onde o que o fez famoso não era o mais importante, o público foi abandonando seu projetos e a crítica os massacrando. No entanto, a fé – tema sempre presente em seus projetos – de Shyamalan, ainda que abalada, nunca foi abandonada, e o indiano, independente das recepções negativas e fracassos de bilheteria, continuou a produzir, escrever e dirigir seus filmes.
Passado o período mais conturbado de sua carreira, o cineasta aos poucos vem conseguindo recuperar a atenção dos espectadores, já que a arrecadação de seus últimos longas tem sido respeitável. Porém, com a crítica, sua tarefa está sendo mais difícil. Seu próximo projeto Old (inspirado na graphic novel francesa Sandcastle) tem lançamento previsto para julho de 2021 e possui Gael Garcia Bernal como protagonista. A sinopse do longa até o momento não foi revelada.
Olhando para trás e observando seus mais de vinte anos de carreira e uma dezena de filmes, certamente o cineasta pode dizer que teve uma jornada do herói para chamar de sua.