Descubra um Clássico | A Noite dos Desesperados (1969)

 

A Grande Depressão foi um período de crise econômica que assolou o mundo a partir de 1929 e durou até o fim dos anos de 1930, tendo seu início nos Estados Unidos após o chamado crash – um declínio forte e repentino dos preços das ações – da Bolsa de Valores de Nova York.

Como consequência, a renda média, as receitas fiscais, os lucros e os preços caíram, enquanto o comércio internacional tombou mais de 50%, além do aumento drástico do desemprego, que chegou a quase 25% nos EUA e em alguns países a mais de 30%. É nesse cenário desolador e catastrófico que a trama de A Noite dos Desesperados acontece.

Dirigido por Sydney Pollack (Tootsie e Entre Dois Amores), o longa acompanha um grupo de pessoas que se inscreve para participar de uma maratona de dança que oferece o prêmio de 1.500 dólares para o último casal que permanecer na competição.

Comandada por um mestre de cerimônias oportunista (Gig Young), entre os participantes da disputa estão uma atriz fracassada (Jane Fonda), um jovem rapaz do interior que cai de paraquedas na maratona (Michael Sarrazin), um marinheiro de meia-idade (Red Buttons), um casal de atores em busca de olheiros na plateia (Susannah York e Robert Fields) e uma jovem grávida com seu marido (Bonnie Bedelia e Bruce Dern).

Servindo como crítica à sociedade do espetáculo, A Noite dos Desesperados é um “soco no estômago” ao denunciar a exploração do ser humano em prol do entretenimento. Ainda assim, cada um dos personagens possui suas motivações para além do prêmio principal que os levaram a participar da maratona. Alguns se contentam por terem sete refeições por dia, outros sonham em ser notados por olheiros a procura de novos talentos ou simplesmente buscam provar algo a si mesmos.

No entanto, no fim, todos ali são explorados até o limite para o prazer de quem assiste e, como é dito no filme, os espectadores só querem ver um pouco de sofrimento para que possam se sentir melhores consigo mesmos, não importando quem ganha ou perde.

E o mais interessante é que parte do público que presencia esse “espetáculo” nas arquibancadas do salão de dança é composto também pela nata das estrelas do cinema que justamente vivem o sonho daqueles que estão na pista e representam tudo que muitos deles querem ser. É como se fosse prazeroso esfregar na cara daquelas pessoas um mundo que nenhum deles terá acesso, mas ainda assim os diverte vê-los tentando e se humilhando para conseguir.

Mesmo tendo sido lançado há mais de 50 anos, o longa permanece relevante e dialogando mais do que nunca com o presente. O que acontece nele em forma de maratona de dança pode ser considerado como o embrião para o que é visto hoje nos mais diversos programas de TV e reality shows: a miséria e humilhação humanas usadas como objeto de entretenimento.

Aqui é o espetáculo pelo espetáculo, o show pelo show, tudo é verdade e, ao mesmo tempo, tudo é mentira, desde que quem assista acredite no que está vendo. E assim, a música continua tocando, as pessoas dançando e a plateia gritando. Como sair desse carrossel que destrói sonhos, desumaniza e depois descarta?

Cabe ressaltar que o longa, ainda que se passe durante a Grande Depressão, também faz um paralelo com o momento em que foi lançado, no ano de 1969. Tal período foi pautado por um profundo sentimento de desesperança em meio a uma década marcada por uma crise econômica e de padrões no país, além da ressaca vinda de quase quinze anos de Guerra do Vietnã.

É considerado outro exemplar da chamada Nova Hollywood, movimento do cinema estadunidense composto por filmes como Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas, Chinatown, Taxi Driver, entre outros. Todos eles com um olhar mais cru, violento e negativo sobre os Estados Unidos e sua sociedade.

Encabeçado por uma atuação devastadora de Jane Fonda (sua primeira indicação ao Oscar foi por essa atuação) e uma direção de elenco impecável de Sydney Pollack, A Noite dos Desesperados é daqueles filmes impossíveis de sairmos os mesmos após assisti-los.

Sua verdade está na crueza de mostrar que o que nos diverte é a desumanização do próximo e que de lá para cá os formatos de entretenimento podem ter mudado, mas o núcleo permanece: para nos sentirmos melhor é preciso ver o outro ser explorado, afinal, não é uma competição e sim um show.

Nota: ★★★★✰

 

Ficha Técnica

Título Original: They Shoot Horses, Don’t They?

Ano: 1969

Direção: Sydney Pollack

Roteiro: Robert E. Thompson & James Poe

Elenco: Jane Fonda, Michael Sarrazin, Susannah York, Gig Young, Bonnie Bedelia, Red Buttons

Fotografia: Philip H. Lathrop

Montagem: Fredric Steinkamp

Trilha Sonora: Johnny Green

Gostou? Siga e compartilhe!

Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

vinicius_bmcd has 84 posts and counting.See all posts by vinicius_bmcd

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *