007 – Sem Tempo para Morrer | Nos Cinemas
A era Craig foi um ponto de mudança grande para a franquia 007. Lá em Cassino Royale, logo na primeira cena, em preto e branco, onde James Bond – ainda não sendo 007 – vai para a “porradaria franca” dentro de um banheiro, os fãs de longa data da franquia tiveram um choque. Mas hoje, com o fim do ciclo, a grande maioria aceitou e abraçou aquela nova roupagem para o personagem que, acredite se quiser, foi recebida com muito preconceito.
Além do Bond de Craig ser o mais físico, ele também é o mais sentimental, o mais fácil de ser atingido e o mais humano dos 007, destoando totalmente de todos que passaram pelo papel, já que aqui o James Bond é maior do que o número do agente britânico. E justamente esse número do agente é divertidamente explorado nesse último filme do ator Daniel Craig na franquia.
Em 007 – Sem Tempo para Morrer, James Bond deixa o MI6 e se muda para a Jamaica, mas um antigo amigo aparece e pede sua ajuda para encontrar um cientista desaparecido. Bond mergulha no caso e percebe que a busca é, na verdade, uma corrida para salvar o mundo.
Como de costume nessa era moderna da franquia, a cena de abertura é um espetáculo. Aqui, no caso, nos é apresentado o vilão do filme vivido por Rami Malek. Toda a cena, desde a câmera no alto, que passeia por cima do personagem, todo de branco, caminhando na neve lentamente lembrando muito um fantasma, até quando corta e vemos a pequena Madeleine (Léa Seydoux) dentro de casa com sua mãe alcoolizada e agressiva, dialogam de forma brilhante. Pois a personificação do fantasma do passado daquelas personagens está indo até elas, atrás de vingança. Toda a sequência é muito bem elaborada, mostrando que o diretor Cary Joji Fukunaga (mais conhecido pela série True Detective) tem um controle absurdo da cena, fora que exalta o vilão e nos faz acreditar que aquele cara pode trazer problemas para James Bond.
Gosto da forma como toda a sequência de Bond com Madeleine na Itália tem a presença do peso do passado do personagem e também como ela mostra que não adianta um 007 tentar fugir daquilo que já viveu. Fukunaga entrega também um conjunto de cenas de ação das melhores da franquia, desde a fuga de moto até o tiroteio envolvendo o clássico Aston Martin.
Nesta mesma cena, em que o carro está sendo alvejado intensamente, sentimos que Bond já está cansado de ser traído e manipulado, demonstrando que só irá tirar ele e a sua questionada amada daquela situação caso a mesma comece a falar. O que é interessante, pois vemos Bond parando de seguir tentando salvar tudo e simplesmente jogando com a sorte, mostrando uma das primeiras quebras do que é esperado para o personagem no filme.
E se tem algo que o roteiro faz bem aqui, são essas quebras de expectativas. O agente intangível, sozinho, sem escrúpulos, agora tem com o que se importar e também tem o que perder. Isso torna o arco do Bond de Craig cada vez mais próximo do público. E esse elemento no roteiro ajuda muito no terceiro ato, pois é onde vemos 007 mais vulnerável.
007 – Sem Tempo para Morrer também fecha o ciclo de alguns antigos personagens que foram marcantes durante a era Craig, como o agente da CIA e amigo de Bond, Felix Leiter, e também introduz alguns novos personagens extremamente carismáticos. O melhor deles, de longe, é Paloma (Ana de Armas), que traz um equilíbrio entre sensualidade, agressividade e carisma. Aliás, falar sobre o carisma da atriz é redundante. E mesmo que a sua passagem pelo filme tenha uma metragem tão curta, ela é um dos elementos mais marcantes do longa.
Gosto também da relação despretensiosa entre Nomi (Lashana Lynch), que assume o “cargo” de 007, e Bond, onde os dois vão se alfinetando e aprendendo a conviver um com o outro. E nessa interação mora um conceito interessante. A todo momento foi debatido se os 007 conviveram no mesmo universo, e sempre que mudavam o ator, seria pelo agente ter se aposentado ou morrido. Sendo assim, nascia a teoria de que o 007 era um cargo, um manto que poderia ser assumido por qualquer um. Aqui, eles confirmam essa teoria e assumem que qualquer um pode ser um 007, mas que poucos podem se tornar um James Bond.
A música do Hans Zimmer também se destaca trazendo toda a classe do tema original, mas também pequenos toques de agressividade, principalmente para somar com as ótimas cenas de ação. A canção tema de Billie Eillish complementa por meio de uma melancolia que casa bem com o fechamento do arco, sendo um elemento fundamental para a obra.
No entanto, o que me desagrada em 007 – Sem Tempo para Morrer é a fragilidade do vilão, que inicialmente foi brilhantemente apresentado na cena de abertura do filme, mas que quando começa a se envolver diretamente com a trama, mostra o quanto Rami Malek é fraco. A todo momento me pareceu só mais uma versão genérica do ator, cuja única diferença é que dessa vez ele tem o rosto deformado. Fora que ele como vilão não tem nenhum conflito direto com o 007, o seu foco é outro, o que torna o embate entre eles nada orgânico.
No geral, 007 – Sem Tempo para Morrer nos apresenta um final digno para a era Daniel Craig, capaz de nos emocionar e de entregar cenas muito empolgantes. Destaque para um plano sequência em um corredor e escadarias que traz mais autenticidade para a ação e relembra o começo de Cassino Royale, primeiro filme do ator sob o manto do agente secreto mais famoso do mundo.
Craig pode não ser o melhor James Bond, mas, sem dúvida, ele foi o mais importante para a franquia desde Sean Connery.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
Título Original: No Time to Die
Ano: 2021
Direção: Cary Joji Fukunaga
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade, Cary Joji Fukunaga, Phoebe Waller-Bridge
Elenco: Daniel Craig, Léa Seydoux, Rami Malek, Lashana Lynch, Ralph Fiennes, Ben Whishaw, Naomie Harris, Rory Kinnear, Jeffrey Wright, Billy Magnussen, Christoph Waltz
Fotografia: Linus Sandgren
Trilha Sonora: Hans Zimmer
Montagem: Tom Cross, Elliot Graham