Matrix Resurrections | Nos Cinemas

 

É um sentimento curioso ver a franquia Matrix nos cinemas após tanto tempo, principalmente depois da forma como a franquia se “encerrou” em Matrix Revolutions. Mas, Lana Wachowski ainda tinha algo para nos mostrar. Não uma história complexa, pois Matrix Resurrections não está interessado nisso. O que a produção nos traz de volta,  aquilo que foi um dos elementos principais nos filmes anteriores, é uma história de amor. 

O filme está interessado em transitar na metalinguagem e explorar isso ao máximo em sua narrativa. Dentro deste caminho escolhido pela diretora, temos uma variedade de temas abordados que se tornam uma parte essencial dentro do contexto. Como a Lana quer trabalhar seus temas, vamos desde críticas ferrenhas ao modo de vida virtual em que a mais nova geração está imersa, até Hollywood e suas grandes produções. E sim, Lana não poupa nem a própria franquia de alfinetadas. Ache bom ou ruim, entretanto entenda que as Irmãs Wachowskis nunca foram hipócritas dentro do próprio cinema.

 

Uma sequência bem fundamentada

É curioso entender a importância dos três filmes anteriores para esta continuação, que não tenta ser um reboot disfarçado, ou um recomeço. Enxergo Resurrections como uma página em branco que não pretendia ser escrita, mas a diretora acabou tendo que ceder e preencher aquele pedaço de papel. Isso fica evidente na fala de Smith (Jonathan Groff) ainda no começo do filme: “Nossos amados patrões da Warner Brothers querem uma continuação para a trilogia. (…) Eles a farão com ou sem você”. Assim, a diretora viu a oportunidade de preencher aquela página em branco e ao mesmo tempo dificultar a vida de qualquer um que não seja uma Wachowski, ao tentar assumir a franquia.

Resurrections é um filme que exige de você uma bagagem dentro da franquia, até mesmo para entender o peso e o porquê de certas decisões de personagens pontuais na trama. Principalmente para compreender a crítica feita à indústria de filmes blockbuster, expondo as próprias fraquezas que a franquia acabou sofrendo. Mesmo gostando de Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, entendo o quanto as Irmãs Wachowski sofreram com a pressão de construir uma sequência de sucesso após a revolução que foi Matrix,  em 1999. 

 

Lana não deixa a situação fácil para o estúdio

Fica evidente que a Lana (Lilly não quis participar da continuação) aceitou trazer a franquia de volta para servir quase como uma arma anti fórmula industrial que vem se consolidando através dos anos, principalmente com o boom dos filmes de super-heróis, em que franquias que fazem sucesso precisam de inúmeras continuações, ainda que as mesmas não tenham mais conteúdo para serem explorados. É brilhante, pois Matrix foi um dos responsáveis direto pela popularização desse “padrão” de alta escala.

A diferença é que Matrix sempre foi muito além de filmes em que os personagens lutam uns com os outros e desviam de balas. Todo o conceito filosófico e social que o filme original nos trouxe mudou completamente o cinema nos vinte anos seguintes. Então, nada mais justo do que a Lana colocar um ponto final nisso, satirizando a indústria e dificultando até outras possíveis continuações que a Warner venha querer lançar. Ademais, mesmo sem a assinatura das Wachowski, sabemos como os estúdios têm a ganância de sugar tudo que uma marca tem a oferecer, até que a mesma seja totalmente descartável.

 

Desenvolvimento e personagens de Resurrections

Gosto do fato da Lana nos colocar em um arco simples, basicamente uma história de amor. Poucos casais no cinema tem tanta conexão quanto Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss). Utilizando esses arcos, a obra vai crescendo em sua crítica e em seu conceito. 

Jonathan Groff, uma grata surpresa, entrega bem um Smith livre de amarras narrativas complexas perante um sistema que coage. Ele consegue nos fazer acreditar que mesmo em outro “corpo” seu personagem e Neo têm toda uma história. Dessa maneira a relação protagonista-antagonista não soa forçada, pelo contrário, tudo é bem orgânico.

Não sou um admirador do Neil Patrick Harris, no geral acho um ator bem limitado, mas aqui essa sua limitação funciona quase como uma sátira de si próprio. Como um grande vilão afetado e cheio de trejeitos maléficos, quer se provar ultra poderoso a todo momento. Sim, é uma clara alusão aos fracos vilões dos filmes da Marvel

Além disso, a maneira desengonçada de que Neo ainda trata seus poderes é interessante, pois mesmo sabendo que os tem, ainda não consegue lidar com eles de uma forma natural. Essa escolha acaba por imprimir mais humanidade ao personagem, o distanciando dos super seres que o mesmo ajudou a influenciar no cinema. Esses pequenos detalhes me fascinam, criam uma aproximação a mais entre nós e a mensagem que o filme está transmitindo. 

Matrix Resurrections nos entrega uma crítica ferrenha, servindo quase como um manifesto contra a grande indústria. Utilizando da metalinguagem para explorar as fragilidades das milionárias produções hollywoodianas, coloca o próprio estúdio em uma saia justa, caso queiram futuras continuações da franquia. Lana deixa seu recado na última cena sobre o que almeja para seu futuro. Assim, espero que Resurrections influencie, assim como o filme original, o cinema.

“Punk rock music playing”.

Nota: ★★★★★

Ficha Técnica

Título Original: The Matrix Resurrections

Ano: 2021

Direção: Lana Wachowski

Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell, Aleksandar Hemon

Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Yahya Abdul-Mateen II, Jonathan Groff, Jessica Henwick, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith, Priyanka Chopra Jonas, Christina Ricci, Lambert Wilson

Fotografia: Daniele Massaccesi, John Toll

Montagem: Joseph Jett Sally

Trilha Sonora: Johnny Klimek, Tom Tykwer

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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