Charlotte Dafol | Miss In Scene
Bati um papo com Charlotte Dafol, diretora de De Olhos Abertos, sobre cinema, coletividade e planejamentos futuros.
Charlotte nasceu na França e conheceu o Brasil aos 20 anos de idade, em 2007, quando veio fazer intercâmbio por meio de uma ONG que a enviou para Porto Alegre. Dessa maneira, durante esse primeiro ano de intercâmbio, ela conheceu o Boca de Rua. Segundo Dafol “Foi assim que comecei a participar das reuniões. Posteriormente me mudei para a cidade e me tornei mais regular e ativa nas atividades do jornal”. Ela relatou que hoje exerce a função de coordenação, de maneira semelhante a Rosina Duarte.
A cineasta contou sobre sua trajetória profissional até se dedicar ao cinema. Sua formação inicial foi em Ciências Sociais, mas seu mestrado foi voltado para a História do Cinema. Ao longo de sua formação, Charlotte realizou curtas-metragens com amigos, porém, voltados para ficção.
Pré e pós-produção
A ideia de fazer o documentário partiu dos integrantes do Boca, pois eles sabiam que ela era cineasta e viviam propondo à ela fazer um filme sobre o periódico. “Eles sempre me falavam, ‘vamos fazer um filme?’, era um assunto que sempre voltava. Então fui atrás de financiamento, mas não consegui”. Diante da dificuldade a solução. Ao fim de 2018, foi pegar uma câmera e fazer o filme “totalmente na marra”.
“Quando comecei o filme, não tinha dinheiro, então fiz uma vaquinha on-line para comprar equipamento usado”, nos contou. Inicialmente, começou capturar as cenas sozinha e com o dinheiro que sobrou da vaquinha foi cobrindo os custos das gravações como deslocamento e alimentação, contando também com o suporte de amigos. Nas capturas noturnas, sempre contava com alguém para te acompanhar. Posteriormente, os integrantes do Boca de Rua também deram suporte durante as filmagens.
Sobre a pós produção, Dafol contou que na parte de edição, montagem e desenho de som, “tiveram profissionais ajudando e a participação deles foi paga com o dinheiro de um outro trabalho que eu fazia em paralelo ao documentário”. Ela também relatou que essa dificuldade financeira não é exclusiva do Brasil, pois, em suas experiência com a realização de curtas, na França passaram pelos mesmos processos. Ademais, o que a diretora aponta como diferencial é o fato de, desde o início, nas produções dos curtas a equipe era grande, composta por pessoas que trabalhavam voluntariamente.
Coletividade
Questionei à Charlotte Dafol sobre o que ela pensa sobre a coletividade na realização de projetos como o Boca de Rua e De Olhos Abertos. Para ela, a coletividade é de suma importância, pois “moro em coletivo, trabalho em coletivo, tudo o que faço na vida é de forma coletiva”. Ela acredita na dinâmica do coletivo e entende que cada um desses grupos tem sua particularidade, “seu jeito de funcionar”.
“A grande diferença entre o Boca e o filme é que o filme parte da minha ideia. As pessoas executaram as ações a partir do que eu pensei. Já o Boca é feito de maneira muito mais horizontal. Tudo ali é discutido de maneira aberta, as decisões se dão por meio de votação”. Ainda sobre o Boca, ela nos contou que as pessoas que atuam como voluntárias prestam o papel de facilitadoras, “estamos ali dando as ferramentas para que aquelas pessoas, que não têm acesso à mídia, possam se expressar”. Eles opinam, orientam, mas não participam das votações, pois as decisões partem apenas dos editores.
Com essa exemplificação, Dafol mostra como duas ações coletivas conseguiram seus resultados a partir de meios diferentes de escolhas. E completou citando um provérbio africano: “Sozinhos vamos mais rápido. Juntos vamos mais longe!”
Rindo dos perrengues
Pedi para Charlotte contar alguns ‘causos’ vividos durante a produção do filme. Ela falou sobre a dificuldade enfrentada com o equipamento. “O verão em Porto Alegre é muito quente e as gravações começaram justamente nessa época do ano. Eu precisava usar sacos de gelo para segurar a câmera, pois se ela aquecesse muito, desligava. Todos riam de mim, carregando a câmera envolta em um saco de gelo enquanto nós derretíamos de calor e tomávamos água quente”.
Outra passagem memorável foram as relacionadas a escolhas de cenas que foram completamente espontâneas e não planejadas. Em uma delas, na qual os moradores preparam a janta, Charlotte estava na casa de amigos, aguardando também a janta, quando decidiu pegar sua bicicleta e ir até a praça filmar a rotina dos integrantes do Boca. Ela completou afirmando que “as cenas da vida cotidiana foram capturadas de surpresa, eu sempre chegava lá sem avisar. E essas cenas que eu mais gosto do filme”.
Projetos futuros
Com a pandemia, o Boca de Rua precisou se adaptar ao momento. Atualmente, todos os integrantes estão vacinados. “Foram anos complicados, passamos por perdas, não pela Covid, mas que nos marcaram”. Inicialmente, a solução para o jornal circular foi reduzir as reuniões semanais para quinzenais “como maneira de garantir a integridade dos participantes. Além disso, o jornal passou a ser digital e as pessoas podiam comprar sua assinatura. Essa mudança permitiu fazer um trabalho de conscientização da população com relação ao vírus e também viabilizar a venda do jornal que é a fonte de renda dos participantes”.
Outra grande mudança importante foi a autonomia adquirida pelo projeto, pois “eles decidiram manter as duas formas de publicação, impressa e digital, assim o valor das assinaturas virtuais cobrem o custo das impressões. Da dificuldade surgiu uma solução”.
Sobre seus planos como cineasta, Charlotte acabou de voltar de uma viagem pela região nordeste do Brasil e anda pensando em se mudar para a região, ainda sem saber qual cidade, mas com o objetivo de documentar a vida das pessoas da área rural. “Ainda é um projeto para se amadurecer, mas que quero realizar”.
Espero em breve poder ter contato com mais documentários de Charlotte Dafol.
Leia aqui a nossa crítica ao documentário De Olhos Abertos.