Pânico | Nos Cinemas

 

Na década de 1990, Wes Craven revolucionou o slasher ao trazer às telonas o denominado “Ghostface”. Era a segunda vez que o diretor se arriscava nesse subgênero e, assim como na primeira, o diretor veio para mexer nas suas estruturas. 

Cabe ressaltar que o slasher passava por um momento de saturação com diversas continuações de franquias que não sabiam muito bem para onde ir. O público já não estava mais tão interessado em assistir o mesmo filme com assassinos portando facas e usando máscaras correndo atrás de adolescentes, porque o que os diferenciava eram apenas as suas fantasias. 

Então, Craven nos trouxe Pânico. No longa, o realizador pegou todos os elementos manjados citados acima, mas, para transformar em uma sátira do próprio slasher, ele utilizou referências nada sutis que entregavam um humor marcante. Ao mesmo tempo, referenciava o gênero e desconstrua todos seus os clichês, utilizando-os de maneira que alimentava a narrativa. Sim, um dos elementos que foram essenciais para que o gênero tomasse um fôlego novo foi o humor e a não hesitação do diretor em utilizá-lo.

Com o passar dos anos, todas as continuações da franquia Pânico foram comandadas por Wes Craven. Cada uma tem uma personalidade marcante e se destaca por elementos únicos. Porém, a narrativa de todas elas está interligada diretamente com a obra original, e cada vez mais Craven investiu numa metalinguagem que satirizava Hollywood (e ainda nos anos de 1990!) ao explorar a falta de criatividade que atingia a indústria, inclusive o próprio gênero que o mesmo ajudou a criar — não deixando de fora nem o próprio Pânico. Isso demonstrou o quanto Craven estava a frente de seu tempo e – o mais importante de tudo – que suas obras sempre mantinham o pé no chão em relação a saber o que quer e o que pode entregar ao público. 

A trama da mais nova adição da franquia segue um enredo já conhecido por todos nós. Vinte e cinco anos após uma série de crimes brutais que chocaram a tranquila cidade de Woodsboro, um novo assassino se apropria da máscara do “Ghostface” e começa a perseguir um grupo de adolescentes para trazer à tona segredos do passado mortal da cidade.

Com o falecimento do diretor e roteirista dos quatro filmes anteriores, essa nova visita a franquia ficou nas mãos de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que já vinham trabalhando juntos em outros projetos. Os diretores trazem de volta a mescla de horror com humor e investem bastante nisso o filme todo. Eles “jogam” com o público, atrasando o susto e criando momentos divertidos quando os personagens brincam com a metalinguagem, mas não fugindo muito do que Craven fazia.

E talvez esse seja o ponto que mais me incomoda, já que os diretores não parecem conseguir aplicar a sua própria personalidade ao filme ou talvez sejam apenas bem limitados nesse aspecto, afinal, Bettinelli-Olpin e Gillett não são Wes Craven. Não sendo possível sustentar os 114 minutos de filme apenas copiando o criador da franquia, os dois tentam trazer jogos de câmera interessantes para imergir o público naquele universo (o que funciona durante boa parte da metragem), mas a falta de carisma de alguns personagens, principalmente da protagonista Sam Carpenter (Melissa Barrera), atrapalha o dinamismo que a obra pede.

Os idealizadores trazem algumas homenagens, principalmente a John Carpenter e o próprio Wes Craven, dando seus nomes a alguns personagens — o que é legal –, mas não faz muita diferença, já que acabamos não nos importando com aquelas pessoas.

A escolha de deixar Sidney (Neve Campbell), Gale (Courteney Cox) e Dewey (David Arquette) de fora da trama por quase toda a sua duração foi um “tiro no pé”. Uma das coisas que sempre funcionou na franquia foi o fato de “Ghostface” estar ligado a Sid. Aqui, eles até criaram algo parecido, porém, não é o suficiente para comprarmos a proposta. Como disse, Barrera não tem carisma, impedindo com que tenhamos qualquer ligação com ela. Como consequência, somos obrigados a ficar a acompanhando por quase todo o filme. E nem entrarei no mérito das visões bizarras da personagem. 

O fato de chamarem o filme apenas de “Scream” no título original mostra qual é a principal ideia do longa: ao não abraçar a numeração da franquia, a obra praticamente joga na nossa cara que é um reboot disfarçado. Tentam brincar com elementos da franquia, atualizar para a nova geração e utilizar os personagens do filme original como “ponte”, mas soa bastante artificial. Não “comprei” em nenhum momento a ideia. 

Mesmo com tudo isso, ainda não acho Pânico uma completa tragédia. É fato que do momento que saí da sessão até eu começar a escrever este texto, o filme caiu bastante e sinto que quanto mais penso, menos eu gosto. Contudo, ainda enxergo pontos que funcionaram, já que ele não se leva a sério. Isso é natural da franquia. E junto a algumas ideias da dupla de diretores, o projeto consegue construir algumas sequências de perseguição interessantes, principalmente no pré-susto.

Pânico tenta homenagear Wes Craven, mas perde muito por tentar emular uma personalidade que Bettinelli-Olpin e Gillett não possuem. Isso faz com que o filme se torne algo pouco orgânico e sem carisma, salvo os momentos em que ele não se leva a sério, conseguindo te divertir. 

No geral, é bonito testemunhar o tributo a Wes, mas ao mesmo tempo é frustrante ver que o filme quer se disfarçar do que realmente é: um reboot. E para isso utiliza o nome de seu criador. Alguns chamariam de covardia. Wes Craven merecia uma homenagem mais honesta.

Nota: ★★★✰✰

 

Ficha Técnica

Título Original: Scream

Ano: 2022

Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett

Roteiro: James Vanderbilt, Guy Busick

Elenco: Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette, Melissa Barrera, Marley Shelton, Jenna Ortega, Dylan Minnette, Jack Quaid, Mikey Madison

Fotografia: Brett Jutkiewicz

Montagem: Michel Aller

Trilha Sonora: Brian Tyler

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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