Love, Club | Estrelas de Cinema Nunca Morrem

“Um olhar seu acaba comigo”, diz um dos versos da canção You Shouldn’t Look At Me That Way, interpretada por Elvis Costello, em dado momento do filme. Não à toa que esta biografia, que mais abraça os últimos anos da atriz estadunidense Gloria Grahame, mantém a tônica de uma melodia musical: o sentimento.

O interessante em Estrelas de Cinema Nunca Morrem é a maneira como expõe o lado sombrio sobre a negação. Diante do protagonismo de Grahame (Annette Bening), no limite do desespero e decadência, temos uma história que também versa sobre a exclusão do ator quando passa a envelhecer.

Por que negar que se envelhece? Como perceber que, após certa idade, uma atriz perde o direito de escolha? Como lidar com uma carreira abalada pela dificuldade em ter bons papéis após os 50 anos de idade?

A trama se inspira no livro de memórias do também ator Peter Turner (Jamie Bell), com quem Grahame teve um breve envolvimento amoroso, situação retratada nesta fita. Assim como em trabalhos recentes como Eu e Orson Welles ou Sete Dias com Marilyn (que trouxe Michelle Williams desconstruindo o mito Monroe), a intenção do roteiro não é situar o espectador em todos os fatos da vida da atriz. É um recorte de situação.

Ganhadora do Oscar de Melhor Atriz coadjuvante em 1953, por Assim Estava Escrito, Grahame obteve uma carreira de quase êxito entre 1950 a 1960, na representação de mulheres frágeis e com certa propensão à sensualidade. Fez filmes famosos como A Felicidade Não Se Compra, Os Corruptos, No Silêncio da Noite, O Maior Espetáculo da Terra e Desejo Humano com diretores de prestígio.

Paul McGuigan, de direção duvidosa em Victor Frankenstein ou Heróis, sustenta o teor dramático sobre os últimos anos da persona desta atriz prejudicada pelo tempo. Aqui, consegue fazer um cinema mais sóbrio e investe na trajetória decadente de alguém que antes fora requisitada, mas acaba debilitada por um câncer terminal. Grahame é a pessoa fragilizada pelo sistema de Hollywood que oprimia atrizes que não forneciam mais a aparência adequada aos estúdios da época.

Com elegância em planos-fechados, voltando-se ao desempenho de gestos e olhares do elenco (como a participação de Julie Walters que faz a mãe de Jamie Bell, repetindo a dobradinha feita em Billy Elliot), e ações mais intimistas de criação de cena, McGuigan nos guia ao universo amargurado da atriz, sem ir a fundo em situações pessoais; detalhes sobre a protagonista ficam subentendidos. O olhar narrativo surge na relação da dificuldade: a atriz que precisa enfrentar o corpo debilitado e a alma que já transmite os sinais do esquecimento.

Tanto Bening quanto Bell foram reconhecidos com indicações ao prêmio Bafta 2018 pelo trabalho. Merecidamente, afinal, ambos os atores atingem níveis de imersão dramática que são favorecidas por um roteiro que sabe criar a inicial aproximação à impetuosidade do relacionamento já abalado por crises. Você percebe o entrosamento de ambos, com personagens que expõem personalidades opostas, na diferença de idades, com ideologias próprias.

Diante da angústia de Grahame em não saber aceitar a sua doença, escondendo de todos, inclusive das pessoas dos quais trabalhava, a fita nos coloca como reais espectadores da intimidade que se formou: a atriz viveu as últimas semanas na casa da família de Turner, na Liverpool de 1981, recebendo cuidados paliativos, já que ela se recusava a ir para um hospital.

Numa narrativa que remonta a trajetória de romance entre os dois, indo e voltando no tempo, compreende-se o processo de intimidade entre Grahame com Turner; o tesão ao aprendizado do sentimento, aspectos de confiança que se estabelecem, a fragilidade crescente quando a doença parece desnortear ainda mais a aparência e emocional da atriz. É visível o quanto Bening compreende as nuances de uma personagem dotada de dor; enquanto Bell nos fornece a representação do jovem apaixonado e disposto a cuidar da mulher por quem se encantou.

Tudo isso poderia ser prejudicado, caso o filme adotasse um tom melodramático. Felizmente, o olhar da direção tenta se esquivar, ainda que se revele sentimentalista nas sequências de romance e diálogos que caracterizam a intimidade dos protagonistas. O roteiro de Matt Greenhalgh, que já realizou trabalhos sobre figuras famosas em Control e O Garoto de Liverpool, mostra que sabe desconstruir mitos reais sem o abuso de estereótipos e cacoetes para emocionar.

O que torna a fita um atrativo: a maneira como não apenas se preocupa em expor os bastidores de uma persona de Hollywood. Há um olhar melancólico e intimista, ainda mais por expor o universo cruel do sistema de um profissional tolhido por conta da velhice ou da doença; que, involuntariamente, debilita a sua condição física (um problema para alguém que trabalha com a aparência).

O ator vive do brilho de sua atuação e, também, da condição da ditadura da beleza. Por isso, vemos a defesa de Bening em expor, em dado momento, através da boca da sua personagem: ela optou por não fazer a quimioterapia, já que tinha medo de perder os cabelos e, dessa forma, ser limada sócio e existencialmente das oportunidades como atriz.

A reflexão que o filme transmite é bem dolorosa, mas pertinente. Ainda mais nesta atualidade em que a busca pela estética física e do padrão de beleza são situações presentes.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica

 

Estrelas de Cinema Nunca Morre (Film Stars Don’t Die in Liverpool)

Ano: 2017

Direção: Paul McGuigan

Elenco: Jamie Bell, Annette Bening, Julie Walters, Vanessa Redgrave, Stephen Graham

Roteiro: Matt Greenhalgh

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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